Se tudo o que Deus fez é bom, então a própria existência humana nasce sob o signo da bondade. A narrativa da criação, ao dizer que fomos feitos à imagem e semelhança do Criador, não entrega apenas uma metáfora piedosa: ela inaugura uma compreensão radical de igualdade. Cada pessoa, independentemente de sua cor, origem ou condição, carrega um reflexo do eterno. É nesse ponto que a fé toca a filosofia: a dignidade não é uma concessão, mas uma essência.
A ciência, com seus instrumentos de minúcia e paciência, chega por outro caminho a uma conclusão semelhante. A constatação de que temos ancestrais comuns desfaz ilusões de separação absoluta. Não existem linhagens “superiores” ou “inferiores”, mas apenas variações de uma mesma raiz. O genoma nos mostra, com frieza elegante, que a distância entre qualquer dois seres humanos é mínima — quase imperceptível. E, no entanto, quanto esforço histórico foi dedicado a transformar essas minúcias em abismos.
Ao longo do tempo, justificaram-se correntes, pelourinhos e exclusões com ideias monstruosas: que alguns seriam “menos humanos”, que outros carregariam sangue misturado com o de animais, como se houvesse uma gradação na própria humanidade. Tais concepções não apenas ferem a ética, mas violentam também a lógica. A fé, ao afirmar a unidade da criação, já denunciava esse erro. A razão, ao apontar nossa ancestralidade comum, reforça a mesma denúncia.
Deus viu que tudo era bom; a ciência revela que tudo é um. A combinação dessas visões nos impõe uma responsabilidade: não é possível negar a humanidade do outro sem negar também a nossa. A escravidão, o racismo, o aviltamento do próximo não são apenas crimes contra a vítima, mas contra a própria condição humana.
Filosoficamente, trata-se de reconhecer que o fundamento da ética não está em convenções mutáveis, mas em algo que antecede todas as convenções: a pertença comum a um mesmo destino. Literariamente, podemos dizer que somos páginas distintas de um mesmo livro, escritas em diferentes estilos, mas compostas pelo mesmo autor.
Negar essa verdade é viver na mentira. Aceitá-la é abrir-se para uma fraternidade que não anula a diferença, mas a celebra como variação de uma mesma melodia. No fim, reconhecer que viemos de uma só fonte é também vislumbrar que caminhamos para uma só foz — e que toda desumanização é apenas um desvio sombrio nesse percurso inevitável.
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense

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