domingo, 19 de outubro de 2025

Até aqui virás

    “Até aqui virás, e não mais adiante; e aqui se quebrará o orgulho das tuas ondas.” — Jó 38.11 
 
    Neste versículo, Deus fala a Jó do meio da tempestade. É o momento em que o Criador revela o limite imposto ao mar — símbolo do caos, da força bruta e do mistério. Mas, de forma mais profunda, o limite do mar é também o limite do humano. 
 
    O homem, em sua ânsia de compreender e dominar, muitas vezes se esquece de que há fronteiras intransponíveis, lugares onde apenas o divino habita. O mar — com suas ondas orgulhosas — representa o impulso humano de querer ultrapassar o que é próprio da sua condição. E Deus responde: “Até aqui.” 
 
    Do ponto de vista filosófico, este versículo toca no cerne da finitude humana. Heidegger dizia que o homem é um “ser-para-a-morte”, um ser lançado no mundo com consciência de seus limites. Kant, por sua vez, lembrava que a razão humana, embora poderosa, “deve permanecer dentro dos limites da experiência possível” — pois o que está além pertence ao noumenal, ao mistério inacessível. E Pascal, com sua lucidez melancólica, via o homem como “um caniço pensante”: frágil diante do universo, mas consciente dessa fragilidade. 
 
    Deus, ao colocar limites ao mar, nos recorda que a criação é sustentada pela ordem e pela medida. A existência humana só encontra sentido quando reconhece que a sabedoria não está em ultrapassar os limites, mas em compreender o seu propósito dentro deles. A humildade diante do infinito é, ao mesmo tempo, o começo da fé e o início da verdadeira filosofia. 
 
    O versículo, portanto, é um espelho: mostra o ponto onde o orgulho das ondas se desfaz, e o silêncio do mar encontra o limite traçado pela mão de Deus. Assim também o ser humano é chamado a reconhecer que há um “até aqui” que o protege de si mesmo — um limite que não é prisão, mas cuidado. 
 
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense

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