segunda-feira, 22 de dezembro de 2025

Viver não é decifrar enigmas improváveis

    Prefiro as razões que nos conduzem a um estado prático porque nelas há chão. Há peso, consequência, gesto. Elas não brilham como as falsas conclusões dos fatos improváveis, mas sustentam o corpo quando é preciso andar. As razões práticas não prometem transcendência imediata; oferecem direção. E isso, muitas vezes, é mais honesto do que qualquer epifania construída sobre exceções. 
 
    As falsas conclusões nascem do fascínio pelo raro. Elas se alimentam do acaso elevado à regra, do evento isolado tratado como verdade universal. Há nelas um conforto perigoso: explicam sem exigir mudança, impressionam sem exigir ação. São narrativas que nos absolvem da responsabilidade, porque se apoiam no improvável — aquilo que quase nunca se repete e, por isso mesmo, não nos convoca a agir de modo consistente. 
 
    Já as razões práticas operam no território do possível. Elas não negam a complexidade do mundo, mas escolhem enfrentá-la com critérios que funcionam no cotidiano. São razões que aceitam limites, que reconhecem o erro, que se ajustam à experiência. Em vez de buscar sentido em coincidências raras, procuram coerência nos pequenos movimentos repetidos: decidir, fazer, corrigir, continuar. 
 
    Há também uma ética nessa preferência. Optar pelas razões práticas é recusar o autoengano elegante. É escolher a lucidez em vez da fantasia explicativa. É admitir que nem tudo tem um grande significado oculto e que, ainda assim, a vida exige posicionamento. O prático, nesse sentido, não é raso; é responsável. 
 
    Talvez, no fundo, essa escolha revele um desejo de verdade que não se satisfaz com narrativas sedutoras. Uma verdade que não precisa ser extraordinária para ser válida. Porque viver não é decifrar enigmas improváveis, mas sustentar decisões que possam, de fato, ser vividas. 
 
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense

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