segunda-feira, 30 de abril de 2018

O estranho caso de Cindy


Por Odair José da Silva

Ela contou-me a história dela. Ou um fragmento, como ela mesma afirmou, do que era a história dela. Enquanto relatava-me a fatídica história eu pude notar as lágrimas que escorriam de seus olhos apesar dela querer ofuscar-me aquele detalhe. Não me sinto confortável ao ver lágrimas, de certa forma me incomoda. Mas, deixei-a livre para falar o que queria. E ela assim me expôs o seu drama.

Havia conhecido um rapaz. Era gentil e muito educado com ela. Ajudava-a em muitos dos seus trabalhos na faculdade. Tinha muitas dificuldades em algoritmos e aritméticas e ele dominava essas duas áreas com maestria. Portanto, sem perceber ficara dependente do rapaz. Mas, em determinado momento, percebeu que, quando passava alguns dias sem vê-lo sentia sua ausência emocional também. De certa forma, percebera que tinha adquirido uma espécie de sentimento por ele. E havia prometido a si mesma que não se envolveria com ninguém até terminar a faculdade. Conhecia sua dependência afetiva nos relacionamentos e, por isso, não queria se envolver.

De certa forma, havia percebido que estava entrelaçada emocionalmente e já não conseguia se livrar desse sentimento. Com o passar do tempo sentia o desejo de sempre tê-lo por perto. Então, sempre arrumava desculpas para ele estar perto dela. Um trabalho a ser feito, um livro a ser discutido, um filme para assistir, um açaí para tomar, enfim, alguma coisa que os aproximassem.

Contou-me ela que, ele aproveitou desses encontros e a seduziu. Fez promessas de amor. Jurou-lhe que estava, também, apaixonado por ela. Então começou o seu drama. Seus pais a havia criado em um lar religioso e ensinado-a a esperar pelo casamento. Ele foi categórico e disse-lhe que não queria casar, que era muito novo e precisava terminar a faculdade primeiro. Se ela quisesse ficar com ele teria que ser assim. Durante dias ficou pensativa. Nesses pensamentos vinha-lhe na mente seus pais que moravam naquela pequena cidade do interior. Pessoas simples. Tradicional. O que diriam ao vê-lo? No mínimo achariam estranho seu cabelo comprido e sua tatuagem. Mas, ela, não se importava com isso. A pessoa dele era superior a essas coisas impostas pela sociedade.

Chegou o dia em que ele a abordou seriamente e disse-lhe que não se envolveria com ela em respeito a sua tradicional maneira de ser. Não sabia o que fazer. Entregar-se-ia a ele e sofreria o desprezo e repulsa de seus pais e da comunidade de onde viera? Ou o desprezaria e manteria a sua pureza para agradar os seus pais mesmo que isso lhe causasse muita tristeza? Essas dúvidas arrasavam seu coração e ela chorava noites quase inteiras. Chegava a sala de aula com olheiras e muito sono e isso prejudicava o seu aprendizado. Não entendia porque tinha que haver essas dúvidas. Por que a vida tinha que ser tão cruel a esse ponto?

Foi então que ela tomou aquela decisão. Ficaria com ele e não se importava mais com o que as pessoas fossem dizer a seu respeito. Se preciso fosse não voltaria mais àquela vila. Quando ela decidiu por tomar essa atitude uma amiga lhe confidenciou que aquele rapaz havia tido um relacionamento com uma garota e que ela havia desaparecido. Não deu importância a isso. Provavelmente seria mais uma forma de impedir que o seu relacionamento desse certo.

Dois dias depois que dormiram juntos ele, agora mais sério do que sempre fora, confidenciou-lhe algo estarrecedor. Era soropositivo. Ficou perplexa e perguntou-lhe porque não a avisou desse fato. Sem remorso disse-lhe que se iria morrer que levaria consigo o maior número de pessoas que pudesse.

Ela, em seu desespero, não sabe se conta para os seus pais ou se tira a própria vida. Diz que sente seus pés sem o chão. Que todas as noites, nas quais não consegue dormir, vê monstros saindo de um abismo...

(Fragmentos Confidenciais)

Odair José, Poeta e Escritor Cacerense

domingo, 29 de abril de 2018

Crepúsculo dos deuses


Perdoe-me se não concordares
Com o que irás ler de agora em diante.
Exalto a minha voz e clamo na madrugada.
Poderia estar dormindo o sono dos justos
Ou nas festas profanas em orgias e degradações.
Mas, estou diante da minha missão.
Bradar contra a ignorância.
Contra a tolice humana.
Quais tentáculos de um aracnídeo
Eles perfuram os cérebros dos incautos 
E os fazem ser dominados e manipulados pelo sistema atual.
Em meu silêncio perturbo-me com o que vejo e ouço durante o dia.
Não que eu queira ser melhor do que ninguém,
Mas o ser humano perdeu a sua humanidade.
E o que é um ser humano sem humanidade?
Pior que os insetos e crustáceos que, pelo menos,
Respeitam sua cadeia alimentar.
Mas, o ser humano na sua ambição, 
Ganância e hipocrisia solapam a esperança do último mortal.
Com fúria nos olhos eles estraçalham todos os sonhos,
Explodem os balões de oxigênios
Que poderiam perpetuar a nossa existência.
E o que fazer nessa situação?
Os deuses estão caídos no chão.
A poeira cobre os seus rostos desfigurados
E as pessoas dançam em volta de seus restos como zumbis.
Não há nenhuma percepção.
Não há saída para tamanho desespero.
E eu rasgo o meu coração na dor de ver
E ouvir essa ladainha o tempo todo.
Por que você não desperta desse sono mórbido?
Por que não dá ouvidos a sabedoria que brada nas praças
E avenidas sem ao menos ser notada?
Por que insiste em ser esse anencéfalo ambulante?
Por favor, pelo menos uma vez na vida
Dê ouvidos a voz da sua consciência
E saia desses emaranhados de coisas tolas
E supérflua que toma conta do seu tempo.
Não seja mais um escravo do sistema.
Liberte-se!

Poema: Odair José, o Poeta Cacerense

quinta-feira, 19 de abril de 2018

Morte anunciada


Por Odair José da Silva

"O dia da morte é melhor que o dia do nascimento." (Bíblia)

Ao me deitar ontem a noite comecei a pensar nessa frase que se encontra na Bíblia. Na noite anterior, sábado, tinha planejado sair para uma festa e me divertir. Mas, não me sentia muito bem. Então recebi uma ligação de uma amiga que me pedia um favor. A avó dela tinha sido enternada na UTI e ela queria que eu fosse no domingo de manhã buscar o avô que se encontrava no sitio para visitar a avó no hospital. Sabedor que teria que levantar-me cedo no domingo para realizar tal tarefa decidi ir dormir cedo e desisti da idéia de ir para a festa.

A cena que encontrei naquele sítio, o velhinho de mais de 90 anos, curvado pelas lutas da longa vida que tivera me fez pensar sobre minha vida. Dificilmente acredito que possa chegar nesse patamar de longevidade. Preciso fazer exercícios. Pensei comigo. Com dificuldade para caminhar, Pai Velho, como ouvi o pessoal o chamar sentiu uma dificuldade enorme em ser conduzido para a cidade. Era fácil notar que ele sofria muito com essa situação. O que ele queria era ficar no sossego de seu cantinho alimentando as galinhas com seus pintainhos e os cachorros.

Com muita dificuldade conseguimos levá-lo até o hospital para visitar a esposa. Fiquei imaginando quanto tempo os dois compartilharam momentos felizes durante o longo caminho que trilharam juntos. Quantas alegrias, quantas tristezas, enfim, quanto tempo juntos. Vi o sofrimento no semblante daquele senhor que me deixou perturbado.

Infelizmente, logo após a visita a senhora veio a óbito e descansou, enfim, dessa vida sofrida. Os filhos choravam áquela que, com certeza, tinha sido um baluarte na vida deles. Ao conduzir eles de volta ao sítio ouvia o choro silencioso de Pai Velho e sua filha. Senti-me um tanto confuso quanto a isso.

Deitei-me cedo no domingo. Estava cansado. Então me veio na memória os acontecimentos desse dia e a frase acima. Então perguntei-me ao Criador. Como entender que o dia da morte é melhor que o dia do nascimento?

A vida tem certos caminhos no qual trilhamos que nos fazem refletir. Qual é a nossa função nas engrenagens da vida? Qual o motivo da minha caminhada nesta longa jornada? Já vivi mais de 40 anos de minha vida e o que tenho feito até hoje? Quanto tempo ainda me resta? Conseguirei chegar aos 90 anos? E se chegar, o que devo fazer até lá?

Já dizia alguém que “quando morremos, deixamos atrás de nós tudo o que possuímos e levamos tudo o que somos”. Neste sentido, o importante, penso eu, é fazermos o que cremos ser útil e essencial para realizarmos coisas dignas de nosso caráter e virtude para deixarmos à nossa posteridade.

Pensar sobre a possibilidade da morte é viver. Pois, é isso que nos motivará a sermos melhores e mais fecundos no que fazemos no dia-a-dia.

Para concluir meus pensamentos nesse dia deixo uma frase que considero muito especial para reflexão: "A última cena é sempre trágica, pouco importa quão felizes tenham sido as outras: um pouco de terra é jogada por cima de nossa cabeça e é o fim para todo o sempre." (Blaise Pascal).

Texto: Odair José, Poeta e Escritor Cacerense

quarta-feira, 18 de abril de 2018

É necessário retirar a pedra!


Por Odair José da Silva 

"Mas ele respondeu: As coisas que são impossíveis aos homens são possíveis a Deus". Lucas 18:27

Há um provérbio chinês que diz: “Jamais se desespere em meio as sombrias aflições de sua vida, pois das nuvens mais negras cai água límpida e fecunda”. Esse provérbio deixa-nos uma mensagem de otimismo e confiança. As dificuldades sempre virão e os obstáculos fazem parte do nosso crescimento. Mas, uma coisa que dificulta, e muito, alcançarmos a vitória é pensarmos que tudo tem que ser feito por Deus. Se Deus quiser é uma frase corriqueira que nem nos atentamos em saber seu significado. Quero nestas linhas tecer um comentário sobre a pedra no caminho da vitória.

Temos um exemplo na Bíblia que nos faz lembrar da necessidade em retirar a pedra, isto é, fazermos a nossa parte para que haja o milagre de Deus em nossas vidas. No relato bíblico de João encontramos Lázaro morto a quatro dias e Jesus diante do sepulcro com o coração em lágrimas. Jesus, então pede a Marta, irmã de Lázaro que tirasse a pedra que cobria a porta do sepulcro. Marta questiona que já cheira mal. Disse-lhe Jesus: Não te hei dito que, se creres, verás a glória de Deus? João 11:40.

Algumas pessoas dos nossos dias estão acostumadas com o anseio de receber tudo na hora, mas não estão dispostas a tirar a pedra que impede o milagre acontecer. Como Marta, atribui sempre um impedimento para que veja o milagre de Deus. E, ainda por cima, culpa o Senhor por não receber a benção. Em várias passagens bíblicas encontramos Jesus realizando milagres, mas, ao mesmo tempo, solicitando que as pessoas fizessem alguma coisa para que esse milagre fosse concluído. Deus não é entregador de pizza como muitos pensam. Temos que fazer a nossa parte. Obediência é uma delas.

Na passagem que usei de cabeçalho ao meu texto a Bíblia fala sobre um jovem príncipe que queria seguir a Cristo. Sabes os mandamentos – perguntou-lhe Jesus. Sei e obedeço desde criança – respondeu ele. Só uma coisa faltava aquele príncipe: desapegar-se de suas riquezas. Ele achou difícil fazer isso e abandonou os caminhos de Jesus. Uma pedra no caminho. Assim como aquele príncipe, muitos hoje em dia colocam pedras no caminho da salvação. Dinheiro, fama, status social, falta de fé, murmuração, entre outras pedras.

É importante sabermos que temos um Deus que pode todas as coisas. Um Deus que faz o impossível. Mas, precisamos saber que é necessário remover a pedra para o milagre acontecer. O significado em hebraico do nome Lázaro é “Deus ajudou”. Note bem que não é Deus fez, mas Deus ajudou. Queremos que Deus faz as coisas por nós e, as vezes, Deus quer nos ajudar. O que impede são as pedras no caminho.

Em outra passagem bíblica encontramos a história de um comandante sírio que sofria uma doença grave, uma espécie de lepra, e foi ter com o profeta Eliseu. Segundo a história, Naamã era comandante dos exércitos de Ben-Hadade II, Rei da Síria. De acordo com a Bíblia, o profeta disse a Naamã que fosse até o rio Jordão e mergulhasse sete vezes. Não era uma tarefa difícil, mas era necessário que ele fizesse sua parte. Naamã, que possivelmente esperava ser atendido por Eliseu e que este fizesse algum ritual mágico, ficou descontente e queria ir embora. Foi persuadido por seus servos a mergulhar no rio as sete vezes. O que irá perder fazendo isso? Depois de mergulhado ele ficou curado de sua doença. Nos dias de hoje acontece a mesma coisa. Algumas pessoas só falta querer que Deus desça do Céu e faça algum ritual para que todos vejam ele recebendo o milagre. Quando lhes é cobrado alguma atitude para que as bençãos aconteçam, eles reclamam. Tire a pedra.

Quando falamos de salvação essa pedra fica maior ainda. As pessoas querem a salvação, dizem ser cristãos, mas não querem sacrificar as suas vidas para viver uma vida diferente. Não pode isto, não pode aquilo e querem viver como as outras pessoas do mundo. E onde está a diferença? É necessário tirar essa pedra. Os que são chamados por Cristo devem ter uma vida diferente. Eles devem ser a luz que brilha no meio da escuridão. Esqueça essa mentira de que Jesus só quer o coração. O Senhor quer o corpo inteiro. A alma só será santificada a partir de compromisso firmado com o Mestre. Se fosse fácil assim, não seria necessário o sacrifício de Cristo no Calvário. É o que Jesus disse: E dizia a todos: Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, e tome cada dia a sua cruz, e siga-me. Lucas 9:23.

Existe uma história de um rei que sempre ouvia reclamações em seu reino e ele sempre dava bons conselhos aos seus súditos. Dizia ele que as pessoas deveriam tomar atitudes em vez de só reclamarem. Um dia ele colocou uma pedra no caminho e ficou observando. Durante todo dia as pessoas passavam e reclamavam daquela pedra, outros nela tropeçavam, mas ninguém tirou a pedra do caminho.

Já perdia as esperanças quando uma jovem, cansada da labuta diária por ali passava. Diante da pedra ela parou e disse: preciso tirar essa pedra daqui senão alguém nela pode tropeçar a noite. Com muito esforço ela tirou a pedra do caminho e, para sua surpresa, debaixo da pedra tinha uma caixa com ouro que o rei ali tinha colocado. O rei disse a ela que o ouro pertencia a quem retirasse a pedra do caminho e que, constantemente temos obstáculos pelo caminho, mas que a atitude de cada um é que faz a diferença.

Se até hoje tens esperado o seu milagre e ele ainda não aconteceu, veja quais são as pedras que precisam ser removidas. Faça a sua parte, creia em Deus e Ele atenderá os seus pedidos. Que Deus em Cristo nos abençoe!

Texto: Odair José, Poeta e Escritor Cacerense

segunda-feira, 9 de abril de 2018

Assim falou Nego Johnson


Por Odair José da Silva 

A noite já estava silenciosa e a cidade dormia. Passava da meia noite quando o chefão da comunidade o chamou e determinou que cuidasse da entrada. Que ficasse como vigilante até o amanhecer. E recomendara com muita veemência:
- Vê se fica de olho bem aberto. Não dá mole não, viu! Fique atento a tudo e a todos. Ninguém entra e ninguém sai da comunidade antes das seis da manhã. Ouviu bem?
- Sim. Ninguém entra e ninguém sai. Entendi.
- Nem o papa – reafirmou o chefão com a arma na mão. Vários outros comparsas estavam ao lado dele e observava a conversa entre os dois. – Nem se for minha vovozinha, entendeu?
Balançou a cabeça afirmativamente e caminhou para o posto na entrada da favela. Que merda esse cara pensa que sou. Eu já entendi que não passa ninguém. – pensava no caminho – quero ver quem vai encarar essa pistola aqui. Olhou para a pistola na mão direita e ajeitou o fuzil que trazia pendurado na costa. Ninguém vai ser louco de tentar violar a ordem do toque de recolher.
Ajeitou-se encima de um tambor que estava encostado em um barraco. Tinha a visão completa da rua. O silêncio só era quebrado pelos latidos de alguns vira-latas que, provavelmente corria atrás de algum gato ou coisa qualquer. Deve ser umas duas da manhã, pensou ele. E o tempo passou lentamente. A comunidade estava com medo. Havia tido trocas de tiros durante a noite e sabia que os milicianos rivais poderiam tentar alguma coisa.
Os olhos pesaram e o sono queria dominá-lo quando ele ouviu passos. Assustou-se e ficou em pé olhando em todas as direções. Então ele a avistou. Era uma senhora de idade. Forçou as vistas conforme ela se aproximava com passos lentos.
- Alto lá, vovozinha – disse apontando a arma para ela. – onde a senhora pensa que vai?
- Calma meu filho – disse ela chegando perto dele – eu só estou indo para a igreja.
- Igreja? Hora dessas? Tem igreja agora não. É de madrugada.
- Eu vou orar meu filho, falar com o Senhor.
- Olha aqui dona, vamos parar de palhaçada. O que a senhora está fazendo essa hora da madrugada na rua?
- Eu já disse meu filho, vou orar. Minha igreja fica a duas quadras daqui. É aquela azul que tem perto do mercadinho, você deve saber qual é.
- Sim eu sei qual é. Mas não tem ninguém lá hora dessas. Volte para sua casa e vá dormir. Amanhã a senhora vai na igreja.
- Não posso meu filho, oro sempre de madrugada. Deus ouve aqueles que o buscam nas madrugadas.
- Olha aqui minha senhora – o jovem apontou a arma para ela – daqui você não pode passar. Ninguém pode passar. É ordem.
A senhora ficou em silêncio por algum tempo e então disse:
- Se você vai atirar então atire logo porque eu vou orar.
Começou a caminhar e o jovem a interpelou:
- O que você está fazendo? Sabe que não pode passar por aqui.
- Vou orar por você, meu filho.
Ele praguejou, esperneou e ameaçou atirar naquela velha louca. Que merda essa senhora está fazendo. Onde se viu andar de madrugada pela rua para ir à igreja orar. Porque não ora em casa mesmo? Correndo perigo de ser morta numa rua deserta dessa.
E lá se foi à senhorinha em direção à igreja.

- Tudo normal?
O chefão olhou nos olhos dele. Outros três capangas o acompanhavam. Armados até os dentes eles olharam a cara de terror dele diante da situação.
- Sim. Tudo tranqüilo.
- Ninguém passou por aqui?
- Não.
(Silêncio)
- Não minta para mim.
Engoliu em seco e, então falou:
- Só uma senhora meio louca ai. Disse que ia para a igreja orar.
- Orar? De madrugada? E você acreditou nessa história?
- Sim.
- Você é mesmo um imbecil. – colocou a arma na cabeça dele – e se for uma espiã? E o que eu falei que nem o papa, nem minha vovozinha poderiam passar por aqui antes das seis?
Fechou os olhos esperando a bala perfurar o seu cérebro. Foi então que viu. Havia entrada em um grande salão. Era muito grande o salão e tinha um corredor imenso. Tudo branco e pessoas caminhavam sem pressa. Todos bem arrumados. Estava no paraíso? Viu a senhora. Tinha um semblante tão lindo. Parecia um anjo. Ela caminhou até ele. Pegou nas mãos dele e disse:
- Deus tem um plano na sua vida. E não é ficar cuidando de entrada de favela com armas na mão. Ele tem algo melhor para você. O cara me deu um tiro e eu vim para o paraíso.
- Oh! – Exclamou o chefão. – Não vou te matar agora. Vê se some da minha frente. Imbecil.
O dia havia amanhecido e pessoas caminhavam para os seus trabalhos e afazeres. Andou meio perdido por um tempo e, de relance viu a igreja. E viu a senhora saindo de lá.
- Eu orei por você – disse ela ao passar por ele – pedi a Deus para cuidar de você e transformar o seu coração. Pedi ao Senhor para que você não seja morto pelos criminosos desse lugar. Deus tem um plano para a sua vida.
Não quis que ela percebesse, mas de seus olhos lágrimas estavam rolando.

Prosa: Odair José, o Poeta Cacerense

sábado, 7 de abril de 2018

Ética Cristã e Ideologia de Gênero


INTRODUÇÃO 

Teorias sociais, que nascem em laboratórios de ciências sociais das principais universidades do mundo, ensinam que as diferenças entre os sexos são resultados da relação histórica de opressão e preconceito entre homem e mulher. A este entendimento dá-se o nome de “ideologia de gênero”. Os defensores deste conceito promovem a inversão dos valores e afrontam os princípios cristãos. Apesar de cada época apresentar desafios diferentes à fé cristã, as Escrituras advertem aos cristãos o viver em santidade em todas as épocas e culturas (1Pe 1.15,23-25).

I. A IDEOLOGIA DE GÊNERO

1. Definição de Ideologia. O termo foi desenvolvido pelo francês Destutt de Tracy (1758-1836). O conceito foi amplamente usado pelos alemães Karl Marx e Fredrich Engels, autores do Manifesto Comunista (1848). A palavra é composta pelos vocábulos gregos eidos, que indica “ideia”, e logos com o sentido de “raciocínio”. Assim, ideologia significa qualquer conjunto de ideias que se propõe a orientar o comportamento, a maneira de pensar e de agir das pessoas, seja individual, ou seja socialmente. Em sentido amplo, a ideologia se apresenta como o que seria ideal para um determinado grupo.

2. Ideologia de Gênero. A palavra “gênero” tem origem no grego genos e significa “raça”. Na concepção da Lógica, o termo indica “espécie”. Usualmente deveria indicar o “masculino” e o “feminino”, como ocorre na Gramática. Nesse sentido, a expressão é inofensiva; porém, na sociedade pós-moderna tal significado é relativizado e distorcido em “ideologia de gênero”. Essa ideologia também é conhecida como “ausência de sexo”. Esse conceito ignora a natureza e os fatos biológicos, alegando que o ser humano nasce sexualmente neutro. Os ideólogos afirmam que os gêneros — masculino e feminino-são construções histórico-culturais impostas pela sociedade.

3. Marxismo e Feminismo como fonte dessa ideologia. Nos escritos marxistas a ideologia deixa de ser apenas “o conhecimento das ideias” e passa a ser um “instrumento” que assegura o domínio de uma classe sobre outra. O marxismo exerceu forte influência no feminismo, especialmente o livro “A Origem da família, a propriedade privada e o Estado” (1884), onde a família patriarcal é tratada como sistema opressor do homem para com a mulher. Desse modo a ideia central do conceito de gênero nasceu com a feminista e marxista Simone de Beauvoir autora da obra “O Segundo Sexo” (1949), onde é afirmado que “não se nasce mulher, torna-se mulher”. Assim, do contexto social marxista, que deu origem à “luta de classes”, surgiu a ideologia culturalista como sendo “luta de gêneros”, ou seja, uma fantasiosa “luta de classes entre homens e mulheres”. Nesse aspecto, a Ideologia de Gênero pretende desconstruir os papéis masculinos e femininos na sociedade atual.

II. CONSEQUÊNCIAS DA IDEOLOGIA DE GÊNERO

1. Troca de papéis entre homens a mulheres. A ideologia de gênero propaga que os papéis dos homens e das mulheres foram socialmente construídos e que tais padrões devem ser desconstruídos. Essa posição não aceita o sexo biológico (macho e fêmea) como fator determinante para a definição dos papéis sociais do homem e da mulher. Entretanto, as Escrituras Sagradas ensinam com clareza a distinção natural dos sexos (Gn 2.15-25; Pv 31.10-31). Outra consequência lógica dessa ideologia é que a determinação do sexo de uma pessoa agora é definida pelo fator psicológico, bastando ao homem, ou à mulher, aceitarem-se noutro papel. Além disso, faz-se apologia à prática do homossexualismo e do lesbianismo. Tanto as Escrituras quanto a tradição eclesiástica sempre confrontaram essa tendência humana de inverter os papéis naturais (Rm 1.25-32; Ef 5.22-33).

2. Confusão de identidade para o ser humano. Os adeptos desta ideologia afirmam que a sexualidade (desejo sexual) e o gênero (homem e mulher) não estão relacionados com o sexo (órgãos genitais). Desse modo, a identidade de gênero e a orientação sexual passam a ser moldadas ao longo da vida. Por exemplo, a criança passa a decidir depois de crescida se quer ser menino ou menina. É o aprofundamento dramático da distorção da natureza humana relatada pelo apóstolo Paulo (Rm 1.26,27). Essa indefinição acerca da própria identidade produz no ser humano um efeito destruidor e provoca nele uma confusão de personalidade, gerando graves problemas de ordem espiritual e psicossocial. Tal ideologia induz ainda ao pior dos pecados: a insolência da criatura de se rebelar contra o seu Criador (Rm 9.20).

3. Desvalorização do casamento e da família. A ideia é de que o desaparecimento dos papéis ligado ao sexo provoque um impacto deletério sobre a família. A Ideologia de Gênero considera a atração pelo sexo oposto, o casamento e a família estereótipos sociais previamente estabelecidos pela sociedade. Nesse contexto, a primeira instituição amada pelo Criador (Gn 2.24) passa a ser constantemente desvalorizada, criticada e massacrada. Estes e outros males são resultados da depravação humana e sinais da iminente volta do Senhor Jesus (2Tm 3.1-5).

III. O IDEAL DIVINO QUANTO AOS SEXOS 

1. Criação de dois sexos. A Bíblia revela que Deus criou dois sexos anatomicamente distintos: “E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; macho e fêmea os criou” (Gn 1.27). Portanto, biologicamente o sexo está relacionado aos órgãos genitais e às formas do corpo humano. Assim sendo, os seres humanos nascem pertencendo ao sexo masculino ou ao feminino; o homem, designado por Deus como macho, a mulher como fêmea. Por conseguinte, não podemos alterar a verdade bíblica para acomodar a ideologia de gênero. A cultura humana permanece sob o julgamento de Deus (1Pe 4.17-19).

2. Casamento monogâmico e heterossexual. Ao instituir o casamento Deus ordenou: “deixará o varão o seu pai e a sua mãe e apegar-se-á à sua mulher, e serão ambos uma carne” (Gn 2.24). Isto significa que a união monogâmica (um homem e uma mulher) e heterossexual (um macho e uma fêmea) sempre fez parte da criação original de Deus. A diferença dos sexos visa à complementaridade mútua na união conjugal: “nem o varão é sem a mulher, nem a mulher, sem o varão” (1Co 11.11). Assim, mudam-se as culturas e os costumes, mas a Palavra de Deus permanece inalterável (Mt 24.35).

3. Educação dos filhos com distinção dos sexos. Educar não consiste apenas em suprir os meios de subsistência e proporcionar o bem-estar necessário à família. Cabe também aos pais educar os filhos na admoestação do Senhor (Ef 6.4), promover o diálogo e o amor mútuo no lar (Ef 6.1,2). A família cristã não pode perder a referência bíblica na educação de seus filhos. Por exemplo, explicar e orientá-los de que homens e mulheres possuem órgãos sexuais distintos, fisiologia diferente e personalidades díspares é responsabilidade dos pais. Sigamos, pois, com respeito às pessoas, não discriminando-as, mas se posicionando com toda firmeza na distinção de homem e mulher e na coibição da inoportuna ideia de “luta de gêneros” (Gn 1.27; 1Co 11.11,12; Ef 5.22-25). 

CONCLUSÃO

A Ideologia de Gênero pretende relativizar a verdade bíblica e impor ao cidadão o que deve ser considerado ideal. Acuada parcela da sociedade não esboça reação e o mal vem sendo propagado. No entanto, a igreja não pode fechar os olhos para a inversão dos valores. Os cristãos precisam reagir e “batalhar pela fé que uma vez foi dada aos santos” (Jd v.3).

Fonte: http://www.estudantesdabiblia.com.br/licoes_cpad/2018/2018-02-02.htm