A dificuldade de dominar os próprios desejos talvez seja uma das provas mais íntimas da condição humana. Desejar é um movimento natural, quase instintivo; é o impulso que nos projeta para fora de nós mesmos, que nos faz buscar, querer, imaginar, sonhar. Mas, justamente por nascer tão profundamente dentro de nós, o desejo também carrega uma força que nem sempre conseguimos medir.
Há uma fronteira delicada entre ter um desejo e ser tomado por ele. Quando o desejo nos atravessa, ele acende em nós uma espécie de vertigem: uma mistura de expectativa, falta e urgência. E é aí que surge o desafio — porque o desejo não obedece facilmente à razão. Ele não se submete ao relógio, às circunstâncias, ao que seria prudente. Ele tem sua própria linguagem, seu próprio tempo, e exige ser reconhecido.
Dominar o desejo, no entanto, não significa silenciá-lo. Reprimir o que sentimos costuma gerar sombras ainda mais profundas. O verdadeiro domínio é compreender: olhar de frente o que queremos, interrogar suas raízes, suas consequências, suas máscaras. É perguntar a si mesmo: de onde vem essa vontade? O que ela revela sobre mim? O que ela pede que eu enfrente? Essa honestidade exige coragem — porque, às vezes, o desejo expõe nossas vulnerabilidades mais escondidas, nossa carência de afeto, de reconhecimento, de liberdade, de sentido.
Há também o risco do excesso. Quando deixamos que o desejo se torne tirano, perdemos a capacidade de escolher. Passamos a reagir, não a decidir. Confundimos intensidade com verdade, urgência com necessidade. O desejo, então, deixa de ser uma chama e se torna incêndio.
Por isso, a dificuldade de dominá-lo não é uma fraqueza, mas um processo de aprendizado contínuo. Dominar o desejo é aprender a conviver com ele — compreendê-lo sem ser arrastado, acolhê-lo sem ser ferido, permiti-lo sem permitir que ele nos devore. É transformar essa força interior em caminho, não em abismo.
No fundo, nossa vida é feita dessa dança: a razão que nos orienta, o desejo que nos move. E talvez maturidade seja justamente encontrar um ritmo possível entre ambos — onde o desejo não é negado, mas também não reina sozinho. Onde o querer se torna escolha, e não destino. Onde, ao invés de sermos escravos do que sentimos, nos tornamos artesãos de nós mesmos.
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense

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