Há pessoas que carregam dons como quem carrega uma casa em chamas por dentro. Por fora, tudo parece intacto: talento, oportunidades, afeto, reconhecimento. O mundo olha e conclui, apressado, que não há motivo para ruína. Mas o que destrói raramente faz barulho. O que destrói quase sempre mora no invisível.
Muitos dons nascem acompanhados de uma sensibilidade extrema. Quem vê demais, sente demais. Percebe fissuras onde outros enxergam paredes sólidas. Escuta ruídos onde o mundo se diz silencioso. O dom, nesse sentido, não é apenas potência — é também fardo. Ele expõe o indivíduo a uma intensidade que nem sempre encontra linguagem, acolhimento ou descanso.
Há ainda a tirania da expectativa. Pessoas talentosas costumam ser vistas como promessas eternas, nunca como seres falhos. São cobradas a florescer o tempo todo, mesmo em solo árido. Quando cansam, quando quebram, quando erram, sentem que traem não apenas a si mesmas, mas a imagem que os outros projetaram nelas. E a culpa, silenciosa, começa a corroer.
O mundo externo pode estar em ordem, mas o mundo interno pode estar em guerra. Traumas antigos, vazios sem nome, medos herdados, dores não legitimadas. Nem toda ferida sangra. Algumas apenas desviam o curso da vida para dentro, até que a pessoa se perca de si mesma.
Talvez o maior equívoco seja acreditar que beleza, talento e sucesso imunizam alguém contra o abismo. Não imunizam. Às vezes, apenas o tornam mais profundo. Porque quem cria, quem sente, quem sonha com intensidade, também conhece a queda com igual força.
Quando alguém com tantos dons se destrói, não é por ingratidão à vida. É, muitas vezes, por não saber onde depositar aquilo que transborda. O excesso sem escuta vira peso. O dom sem cuidado vira ferida.
E talvez a pergunta não devesse ser por que eles se destroem, mas por que o invisível continua sendo ignorado. Porque enquanto só valorizarmos o brilho, continuaremos surpresos quando a luz, por dentro, se apaga.
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense

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