terça-feira, 9 de dezembro de 2025

Quando se perde a direção

    A perda de direção não é apenas um fenômeno prático — ela é, sobretudo, um sintoma ontológico. Quando o ser humano já não sabe para onde caminha, não se trata apenas de ausência de metas, mas de um enfraquecimento do eixo interior que orienta escolhas, valores e sentido. A direção nasce de uma relação profunda entre a razão e aquilo que a sustenta: memória, tradição, responsabilidade e vínculo. Quando esses elementos se dissolvem, a alma racional perde seu papel de timoneira e passa a vagar ao sabor de impulsos fragmentados. 
 
    A superficialidade surge, então, como defesa e consequência. Incapaz de sustentar o peso da reflexão profunda, o indivíduo passa a deslizar pela superfície das experiências. Tudo é vivido de forma breve, substituível e acelerada. Não há tempo para elaborar perdas, nem silêncio para compreender desejos. A razão, que deveria mediar o mundo interior e o exterior, passa a servir apenas à utilidade imediata, ao cálculo rápido, ao consumo de sensações. O pensamento deixa de perguntar “por quê?” e se contenta com o “para quê agora?”. 
 
    Nesse processo, a vida enraizada — aquela que se ancora em lugar, em história, em relações duradouras — é lentamente abandonada. Enraizar-se exige permanência, compromisso e, sobretudo, aceitação dos limites. A vida sem raízes promete liberdade absoluta, mas entrega dispersão. Sem raízes, o sujeito não se nutre; apenas se move. E o movimento constante, longe de ser vitalidade, revela uma fuga: fugir do confronto com a própria interioridade. 
 
    O desequilíbrio da alma racional manifesta-se, assim, como desarmonia entre pensamento, desejo e ação. A razão já não ordena, apenas justifica. Ela se torna cúmplice da superficialidade, criando narrativas rápidas para escolhas vazias. O resultado é uma existência ruidosa e, paradoxalmente, vazia — cheia de estímulos, mas pobre de sentido. 
 
    Recuperar a direção implica um retorno às profundezas: reaprender a demorar-se, a ouvir, a sustentar perguntas sem respostas imediatas. Significa reatar o vínculo com aquilo que é durável, mesmo quando exige esforço. A alma racional só encontra equilíbrio quando volta a exercer sua função mais alta: não dominar o mundo, mas dar-lhe sentido. E isso só é possível quando a vida, novamente, cria raízes. 
 
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense

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