Tudo que é diferente incomoda o que é igual porque expõe a fragilidade do que chamamos de normalidade. O igual constrói para si uma fortaleza simbólica, sustentada por repetições, convenções e tradições. Essa fortaleza lhe dá a sensação de estabilidade, de que o mundo é previsível e, portanto, seguro. Porém, quando o diferente surge, ele não apenas desafia o hábito: ele revela que aquilo que parecia sólido é, na verdade, apenas um acordo coletivo, sustentado pelo medo de confrontar outras possibilidades de vida.
Na perspectiva social, esse incômodo não é casual, mas estrutural. As sociedades são organizadas para manter um padrão — seja de comportamento, de pensamento, de estética ou de moralidade. O igual se torna regra, e o diferente é relegado à condição de exceção, desvio ou ameaça. Esse mecanismo não é inocente: ele garante poder a quem estabelece o que será reconhecido como norma. Assim, a diferença não incomoda apenas por ser distinta; incomoda porque denuncia o caráter arbitrário da norma e coloca em xeque a autoridade de quem a sustenta.
Esse choque entre igual e diferente está presente em todos os níveis: nas relações pessoais, onde a diferença de opinião pode abalar vínculos frágeis; nas comunidades, onde a diversidade cultural ou religiosa desestabiliza identidades rígidas; e nas instituições, que veem na diferença uma ameaça ao seu controle. O incômodo, portanto, não é apenas psicológico ou moral — é político. O diferente questiona o monopólio da verdade, da estética, da linguagem, da moral. Ele mostra que o mundo não é unívoco, mas plural, e que a uniformidade muitas vezes não passa de violência simbólica disfarçada de harmonia.
Ao mesmo tempo, é no atrito entre o igual e o diferente que surgem as possibilidades de transformação. O que hoje incomoda pode ser, amanhã, o novo padrão. Toda mudança histórica nasce desse choque: o que um dia foi escândalo, hoje é tradição; o que ontem foi silenciado, amanhã pode ser celebrado. A diferença, portanto, carrega em si não apenas o desconforto, mas a potência criadora de reimaginar o que a sociedade considera aceitável.
No fundo, o incômodo diante da diferença não revela uma falha no outro, mas no próprio igual, que teme a perda de sua posição. O problema nunca foi a diferença em si, mas o apego ao poder que o igual exerce ao se impor como medida universal.
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense