A memória é um espelho partido — nela nos vemos, mas em fragmentos. Quando relembramos, não apenas revisitamos o que foi, mas o reconstruímos à luz do agora. Relembrar é, de certo modo, um ato de criação: pintamos o passado com as tintas da saudade, do arrependimento, do desejo ou da culpa. Cada lembrança traz consigo uma versão de nós mesmos que já não existe, mas que insiste em viver.
Reviver é sentir de novo. O cheiro da infância, a dor de uma perda, a euforia de um amor. O tempo, ao passar, não apaga — apenas esconde. E quando relembramos, puxamos esse véu. Mas o risco está aí: quanto mais voltamos, mais difícil é saber se caminhamos para frente ou apenas giramos em círculos dentro de nós.
Porque há lembranças que são como labirintos. Entramos buscando sentido e nos perdemos em ecos. A nostalgia, quando não vigiada, transforma-se em prisão. Ela nos oferece consolo, mas também ilusão. Podemos reviver tanto que deixamos de viver.
Por isso, relembrar exige coragem. Coragem para olhar o passado sem se afogar nele. Coragem para reconhecer que o que fomos já não cabe no que somos. E, acima de tudo, coragem para se perder por um instante — e ainda assim escolher voltar.
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense
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