A verdadeira liberdade não é filha da calmaria — é filha do caos. Há uma ilusão confortável que nos faz acreditar que somos livres quando tudo está no lugar, quando a rotina se deixa domar e o mundo responde de forma previsível aos nossos gestos. Mas essa liberdade é uma sombra, um reflexo que desaparece ao primeiro vento contrário. O que realmente nos liberta não é a ausência de desafios, e sim a disciplina silenciosa que aprendemos a cultivar dentro de nós quando o chão treme.
É no imprevisível que revelamos o tamanho da nossa alma. Quando nada é garantido, quando as certezas caem uma a uma como folhas secas, resta apenas aquilo que conseguimos sustentar internamente: o eixo, o coração firme, a lucidez que não se vende ao desespero. A liberdade nasce exatamente nesse ponto — quando descobrimos que não precisamos controlar o mundo para não sermos destruídos por ele.
Ser livre, nesse sentido, não é fazer o que se quer, mas manter-se inteiro quando tudo ao redor exige ruptura. É escolher o rumo mesmo quando a névoa esconde os caminhos. É dizer “eu permaneço” quando tudo parece convidar ao abandono de si. A disciplina da alma não é uma rigidez; é um enraizamento. É o desenvolvimento de uma força que não precisa de garantias para existir.
Essa liberdade é uma chama que se acende no instante em que o inesperado nos visita. E, paradoxalmente, só se sustenta porque é íntima. Ela não depende de circunstâncias, nem de aplausos, nem de vitórias. Ela depende de um acordo profundo com a própria consciência: o pacto de não fugir de si mesmo, mesmo quando o mundo ameaça ruir.
Assim, o imprevisível deixa de ser um inimigo. Torna-se um mestre. E a alma, disciplinada pela experiência do incerto, aprende a caminhar com mais honestidade, com mais profundidade, com mais presença. A verdadeira liberdade, então, não é encontrada; é construída. Tijolo por tijolo, escolha por escolha, silêncio por silêncio.
E quando finalmente floresce, ela não pede que tudo fique calmo. Apenas exige que sejamos capazes de permanecer.
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense

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