terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Após a Volta de Jesus

 
    Alfredo entrou silenciosamente no templo e parou próximo a mesinha que ficava na frente do altar. Era uma manhã de sol e podia sentir-se o frescor das flores que o vento trazia e até o regurgitar de alguns pássaros. Olhou para o púlpito e lembrou-se de quantas vezes pregara ali. Quantas vezes ouvira sermões que falavam desse acontecimento. Jesus voltará! Essas palavras ecoavam em seus ouvidos. Agora sabia que era muito tarde. Sim! Jesus havia voltado e ele não estava preparado. Deixou que uma lágrima escorresse de seus olhos. Uma dor profunda no coração. Lembrou que ao acordar olhou para o lado e não viu a esposa. Sua fiel companheira de longas datas. Assustou-se e correu até o quarto das crianças. Não podia ser isso que tinha acontecido, pensava enquanto corria até o quarto. Nenhuma das suas duas crianças estavam em suas camas. Aconteceu! Deixou-se cair ajoelhado no chão do quarto. Oh! Senhor! Tenha misericórdia de mim! Exclamou, mesmo sabendo que já era muito tarde para arrependimento. 
    Ainda olhava para o púlpito vazio e lembrava da confiança em que o Pastor Samuel depositara em suas mãos. Era o vice pastor daquela congregação que prezava pela palavra de Deus. Mas, sabia que não tinha sido fiel e agora pagava caro por sua falha. Jesus havia voltado, levado a sua igreja e ele ficara. 
    - Pastor Alfredo!?! 
    Olhou para a entrada lateral do templo e viu a jovem que entrava desesperada. 
    - O senhor ficou também? 
    Ele olhou para a jovem. Era, com certeza a jovem mais bonita daquela congregação. Quantas vezes tinha pensado nisso. Era destacada no conjunto onde cantava, pregava e cooperava no atendimento, cantina e outras atividades que precisasse. Admirava que ela tivesse ficado também. 
    - Camila! 
    Foi o que conseguiu dizer. 
    Ficaram em silêncio por alguns minutos. Olhavam para o púlpito e para a nave do templo agora só com os bancos vazios. 
    - Sua esposa foi arrebatada? – Camila quebrou o silêncio. 
    Acenou positivamente com a cabeça. 
    - Seus filhos? 
    Confirmou com outro aceno de cabeça. 
    - Por que o senhor ficou? 
    Olhou para ela com um olhar diferente do convencional e, antes de responder viu que chegava outro irmão da igreja. 
    - Vocês ficaram também? 
    Alfredo e Camila olharam para ele. Irmão Paulo era diácono e porteiro na congregação. De corpo atlético, era militar e servia como porteiro, segurança e tinha outras atividades. Era muito popular. 
    - Você ficou porquê? – Indagou o vice pastor já imaginando a razão. Algumas vezes tinha ouvido reclamações do homem ali diante dele de agressão física contra a esposa e os filhos. Era um bruto em casa, como ouvira algumas vezes no auxílio ao Pastor da congregação. 
    - E vocês? – Paulo se esquivou – ficaram porquê? 
    Houve um breve silêncio entre eles enquanto um olhava para o outro. Na imaginação queriam saber o motivo de não terem subido no arrebatamento. Foram interrompidos pelos gritos escandalosos de outra irmã que chegou correndo na igreja. 
    - Ai meu Deus! Ai meu Deus! – Exclamava em lágrimas. 
    - Calma irmã Sandra – Disse o vice pastor – agora não adianta mais lamentar. Agora é tarde para isso. 
    - Mas, Pastor! – Exclamou – Por que ficamos? Por que eu fiquei? Sempre fui fiel na igreja, cooperava em todos os cultos, orava mais do que quase todas as irmãs do Círculo de Oração. 
    - E fofocava mais do que tudo! – Camila deixou escapar e a mulher ficou rubra de raiva na hora. 
    - Ah é, engraçadinha! – Retrucou – e você, santinha, porque não subiu? Deve que porque tinha rolos com homens por ai, ou porque já não é mais virgem né? 
    Os três olharam para a jovem. Camila ficou em silêncio. Sentou-se no banco e se preparava para responder quando os olhares de todos pairou sobre a mulher que acabara de chegar. O semblante de todos mudaram. 
    Michele era um mulher jovem, dedicada na obra. Era esposa de um dos obreiros e era regente dos jovens daquela congregação. Tinha uma voz que se destacava dentre os demais e quando cantava fazia o coração de todos os presentes serem impactados. 
    - Eu brinquei – disse ao se aproximar – eu não acreditava que isso pudesse acontecer. Não cria nessa coisa de volta de Jesus. 
    Olhou para Camila, Paulo, Sandra e depois parou o olhar em Alfredo. O coração dele quase parou.     - Você sabe porque ficamos, né? 
    Paulo, Sandra e Camila olharam estarrecidos para os dois! Alfredo deixou escapar uma lágrima. 
    - O que acontecia entre vocês? – Indagou Sandra. 
    - Foi por isso que você ficou – disse Alfredo virando-se para Sandra – por causa de um pecado da carne que você nunca abandonou. Por causa de suas fofocas você provocava inimizades, porfias e emulações entre os irmãos. Essa mania de fofocar, de levar e trazer intrigas e disseminar fake news. Você era a campeã aqui na igreja. Por isso você ficou. 
    - Tá bom, engraçadinho – respondeu Sandra esbravejando – e você? Se fosse tão santo não estaria aqui. O que você fazia de errado? Você era o vice pastor, então deve ter feito alguma coisa bem grave.
     - Sim – confessou o vice pastor – todos nós que aqui estamos fizemos algo de errado, senão não estaríamos aqui. 
    - Eu sei porque fiquei – disse Camila com os olhos cheios de lágrimas – eu era invejosa! 
    - Invejosa? – Exclamou Paulo – como você poderia ser invejosa? Você é a jovem mais bonita e destacada aqui da igreja. Eu achava que as outras meninas é que tinham inveja de você. 
    - Pois, é – disse ela – mas não é assim. – fez uma pausa e continuou – eu sentia inveja de quase tudo. Deus sabe o quanto sofria com isso. Dentro do meu coração eu guardava coisas e imaginava coisas terríveis. Eu alimentava isso. Me arrumava e me enfeitava porque queria chamar a atenção. Queria provocar os olhares sobre mim. Mas, ao mesmo tempo eu invejava as outras pessoas. Por que fulana conheceu sicrano e ele não olhou para mim? Era o que me perguntava sempre. Foi por isso que fiquei. 
    - Tá bom – Disse Paulo – vou confessar também. Fiquei por que sempre fui um babaca violento. O meu pecado sempre foi a ira. Eu descontava todas as minhas raivas na minha esposa e nos meus filhos. Bati nela várias vezes. Algumas até deixei marcas que ela escondia e, se alguém visse, dizia que tinha caído ou sofrido um acidente. Graças a Deus ela foi salva e meus filhos também. 
    - E você pastor? – Sandra olhou furiosamente para ele – não vai nos contar o que o fez ficar de fora do arrebatamento? O senhor que pregava quase todos os cultos, que parecia ter uma vida exemplar. O que aconteceu? 
    Alfredo respirou fundo, mas, antes de falar foi interrompido por Michele. 
    - Ele ficou por causa de mim! 
    Todos olharam para ela com muita curiosidade. Michele continuou. 
    - Na verdade, ficou por causa dele, quero dizer. Por causa de sua impureza sexual. Sua infidelidade. E eu também fiquei por causa disso. Ele me seduziu e tínhamos um caso escondido. 
   - Minha nossa! – Exclamou Sandra – eu sabia! 
   - Sabia coisa nenhuma – ralhou Paulo olhando para Sandra – se soubesse toda igreja saberia porque você não perdia tempo em fofocar. Cale-se! 
    Houve um breve silêncio. Os cinco olharam para o púlpito e depois para a nave do templo. Os bancos vazios. Lembraram dos cultos avivados naquela congregação. Não iriam mais ouvir as crianças cantando, os adolescentes, os jovens que cantavam com tanta emoção, o Círculo de Oração com seus hinos espirituais. Não ouviriam mais os sermões e mensagens de poder que tocavam os corações de todos que ali frequentavam. Tudo isso era passado. Nenhum deles se atentaram para a volta iminente de Jesus e ficaram. 
    - Agora não adianta lamentar – Disse Alfredo – apenas nos prepararmos para enfrentarmos o Anticristo e a aniquilação deste mundo. Perdemos o tempo da graça oferecido por Jesus e agora resta-nos darmos o nosso sangue se quisermos alcançar uma salvação. Agora é só choro e lamentação. Nossos irmãos e irmãs que foram fiéis a Cristo estão agora no Tribunal de Cristo e nas Bodas do Cordeiro. Nós, estamos na Grande Tribulação! 
    Todos curvaram a cabeça e deixaram as lágrimas rolarem de seus rostos. 
 
Conto: Odair José, Poeta Cacerense

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