domingo, 30 de novembro de 2025

O passado e o futuro

    Há um instante, breve como o toque de um pássaro na água, em que o passado deixa de exigir explicações e o futuro cessa de cobrar promessas. É nesse instante que respiro — e descubro que nenhum dos dois tem poder real sobre mim. O passado é um viajante cansado que às vezes bate à porta pedindo para entrar; sua voz é antiga, repetitiva, cheia de histórias que já ouvi centenas de vezes. Eu o reconheço, não o expulso, mas também não lhe dou mais a casa inteira. Ele se senta um pouco, conta suas memórias lascadas, e então o deixo partir de novo, sem carregar minhas malas. 
 
    O futuro, por sua vez, é um animal arisco. Assusta-se fácil, corre quando tento segui-lo de perto, e às vezes rosna quando tento controlá-lo. Mas descobri que ele se aproxima quando estou quieto, quando não o persigo, quando aceito que não posso prever seus passos. Ele não exige coragem — exige presença. 
 
    E entre esses dois visitantes — o que volta demais e o que nunca chega — existe o agora, essa faixa de luz que surge quando finalmente paro de fugir de mim mesmo. É nele que entendo que o medo do amanhã nasce das cicatrizes mal cuidadas de ontem. Que o mesmo gesto que me feriu, um dia, também pode me ensinar a não repetir a caminhada cega. 
 
    O futuro é incerto, sim. Mas a incerteza também é um lar possível. Um espaço onde posso plantar aquilo que nunca recebi, construir o que me negaram, inventar caminhos que não existiam. O passado não precisa ser esquecido; basta deixá-lo repousar, sem permitir que ele governe. 
 
    E assim sigo: não apagando o ontem, não temendo o depois — apenas caminhando com a leveza de quem enfim percebeu que a vida, inteira, cabe neste passo que estou dando agora. 
 
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense

sábado, 29 de novembro de 2025

Crescer em vez de reclamar

    Aprender a crescer é aceitar que a vida nem sempre nos entrega respostas embaladas em papel bonito. Às vezes, ela apenas lança perguntas, desafios e silêncios – e cabe a nós descobrir se isso será motivo de queixa ou de amadurecimento. 
 
    Crescer é o gesto silencioso de quem decide olhar para dentro antes de apontar para fora. É perceber que reclamar é fácil, quase confortável, porque nos mantém imóveis, intactos, inocentes diante da própria história. Mas crescer… crescer exige coragem. Exige abrir mão da versão antiga de si mesmo, aquela que repete desculpas, que coleciona mágoas como medalhas, que espera que o mundo mude antes de mudar o próprio passo. 
 
    Há uma poesia discreta no ato de assumir responsabilidades: a de transformar o lamento em ação, o medo em caminho, a dúvida em semente. 
 
    Quando deixamos de reclamar, não é porque tudo ficou perfeito — mas porque entendemos que o imperfeito também é matéria-prima. E que o barro bruto das dificuldades é justamente aquilo que molda nossas mãos para o que virá. 
 
    Crescer é, enfim, uma espécie de arte. Uma escultura contínua feita com o cinzel do tempo, a paciência do coração e a ousadia de se reinventar. 
 
    E cada momento em que escolhemos amadurecer, em vez de lamentar, é como acender uma pequena luz num corredor escuro — não ilumina tudo, mas já nos permite seguir. 
 
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense

quinta-feira, 20 de novembro de 2025

Ajudar não é substituir

    Ajudar alguém não é assumir seu lugar na travessia. É estar perto o suficiente para oferecer um braço quando a noite pesa, mas longe o bastante para que o outro ainda sinta o próprio chão sob os pés. Há caminhos que ninguém pode percorrer por nós — e, mesmo assim, insistimos em carregar dores alheias como se fossem nossas, tentando salvar quem talvez precise apenas aprender a caminhar com a própria queda. 
 
    A verdadeira ajuda é discreta, quase imperceptível. Não toma decisões pelo outro, não segura a mão com força demais, não substitui a coragem que cada um precisa encontrar dentro de si. É uma presença que encoraja sem dominar, que ampara sem apagar, que orienta sem conduzir. Porque a vida de outro não é um território que possamos ocupar; é um labirinto cujo mapa só existe dentro dele. 
 
    Às vezes, ao tentarmos fazer pelo outro, roubamos a chance que ele tinha de descobrir sua própria força. E nenhuma transformação brota sem esse esforço íntimo, doloroso e solitário. Ajudar é, então, acender uma pequena lanterna e oferecer ao viajante — não para guiá-lo, mas para que ele próprio enxergue o próximo passo. 
 
    Cada qual deve caminhar com seus próprios pés. Mas isso não significa caminhar sozinho. Significa que a jornada, sempre pessoal, pode ser acompanhada: lado a lado, sem que um se torne substituto do outro. É nesse equilíbrio — entre presença e liberdade — que o cuidado se torna verdadeiro. 
 
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense

terça-feira, 18 de novembro de 2025

A travessia intransferível

    Existem experiências na vida que são, por natureza, intransferíveis. Por mais que haja afeto, por mais que haja cuidado, há um limite onde o outro não pode mais ir por nós. Cada ser humano carrega dentro de si a responsabilidade de fazer sua própria travessia. 
 
    Caminhar com os próprios pés é mais do que um ato físico: é um exercício existencial. É o enfrentamento solitário diante das encruzilhadas da vida. Nenhum conselho, por mais sábio que seja, substitui a vivência. Nenhuma proteção, por mais bem-intencionada, anula a necessidade do confronto com a realidade. 
 
    É preciso sentir o peso das próprias escolhas, o sabor das próprias vitórias e o amargor das próprias quedas. É nessa luta silenciosa, entre o querer e o temer, entre o sonhar e o realizar, que o indivíduo se torna autor de sua própria história. 
 
    Há uma pedagogia oculta na dor e na dúvida, uma sabedoria que só se revela a quem tem a coragem de continuar, mesmo com os pés feridos. Caminhar sozinho não significa estar isolado, mas reconhecer que certos aprendizados só florescem no terreno da experiência direta. 
 
    A vida não oferece caminhos prontos. Cada um precisa abrir o seu, pedra por pedra, passo por passo, com o risco real de se perder, mas também com a liberdade de se encontrar. 
 
    No fim, é esse processo que nos ensina o mais essencial: viver é um verbo que só se conjuga na primeira pessoa. 
 
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense

segunda-feira, 17 de novembro de 2025

Somos histórias II

    Somos feitos de histórias, mas histórias não duram. São apenas rastros em areia movida, apagados pelo vento do tempo. O que chamamos de memória é só ruína, pedaços quebrados de algo que já não existe. 
 
    A cada dia, perdemos páginas. Primeiro, as mais frágeis. Depois, as que acreditávamos imortais. Não há arquivo, não há lembrança, não há voz capaz de sustentar tudo o que fomos. Somos ruído que se extingue, registro que se desfaz. 
 
    No fim, nada resta senão o silêncio absoluto, onde nem mesmo a ideia de história consegue sobreviver. 
 
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense

sábado, 15 de novembro de 2025

Controlado pelos desejos

    Uma pessoa que se deixa controlar pelos desejos é, de certo modo, uma casa sem portas — qualquer impulso entra, se acomoda e faz morada. Ela acredita estar vivendo em liberdade porque segue cada vontade, cada febre do momento, cada brilho que passa como um peixe rápido na superfície da água. Mas, na verdade, é levada pela correnteza. 
 
    O desejo, quando assume o leme, não conduz: arrasta. 
 
    Ser escravo dos próprios desejos não é sentir, mas perder o rumo. É confundir intensidade com direção, e urgência com verdade. É permitir que algo interno, porém desordenado, dite o passo, o tom, a história — e você, que deveria ser o narrador, vira personagem secundário. 
 
    A liberdade nasce quando o desejo deixa de ser dono e volta a ser visitante. Quando você não é mais arrastado pelo que quer agora, mas guiado pelo que deseja ser depois. Quando os impulsos deixam de te usar, e passam a te servir. 
 
    Quem é dominado pelos desejos é escravo; quem aprende a escutá-los sem se ajoelhar, começa a ser livre. 
 
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense

sexta-feira, 14 de novembro de 2025

Onde está a sabedoria?

    “A rainha do sul se levantará, no juízo, com os homens desta geração e os condenará; porque veio dos confins da terra para ouvir a sabedoria de Salomão. E eis aqui está quem é maior do que Salomão”. Lucas 11.31. 
 
    A história é conhecida. A Bíblia nos informa que a Rainha de Sabá empreendeu uma longa viagem para conhecer o Rei Salomão de quem a fama corria o mundo como sendo o homem mais sábio da terra. Chegando-se a ele a rainha quis obter respostas para algumas perguntas e resolver alguns problemas. Salomão não a desapontou e ela saiu do encontro radiante afirmando que a sabedoria dele era maior do que o que haviam dito a ela. 
 
    Jesus Cristo veio ao mundo para dar salvação e transmitir uma mensagem de sabedoria a humanidade e os homens questionaram a sua mensagem e não deram crédito aos seus sinais e maravilhas. Ele afirma que no juízo, a própria rainha se levantará para julgar essas pessoas. Isso acontecerá porque o Filho de Deus é maior do que Salomão. 
 
    O mundo contemporâneo, ainda mais do que as pessoas do tempo de Jesus, tem a seu dispor a sabedoria de Deus, mas não a reconhece. Quanto mais acontece o avanço da ciência e tecnologia mais os problemas entre a humanidade acontece. Não se valoriza a sabedoria de Deus revelada nas sagradas escrituras e a humanidade caminha a passos largos para a destruição. 
 
    As pessoas do tempo de Jesus até o cercavam, mas a maioria só queria ver milagres e sinais. Não se preocupavam em aprender a verdadeira sabedoria de Deus. O amor ao próximo pregado por Jesus tornava-se um fardo. Abandonar as coisas materiais para buscar a celestial era difícil demais. E as pessoas viravam as costas. 
 
    Nos dias atuais a situação é ainda pior. O capitalismo selvagem e o consumismo não deixam com que as pessoas pensem no próximo. As pessoas querem a solução para os seus problemas urgentemente e não querem obedecer a Palavra de Deus. Há uma falta de sabedoria para alcançar a paz que só Jesus pode oferecer ao homem. 
 
    A Rainha de Sabá teve que passar por muitas dificuldades para alcançar a sabedoria de Salomão. Nos dias atuais já não é tão difícil assim. A Palavra de Deus está registrada e espalhada em todos os lugares e todos tem acesso a ela. Basta dar crédito as mensagens de Jesus Cristo e seus conselhos para uma vida feliz. 
 
    Tens falta de sabedoria? Peça a Deus que a dá para todos quanto o buscam. As palavras de Jesus têm dado direção certa a milhares de pessoas que buscaram a verdadeira sabedoria. Que Deus em Cristo abra os olhos de seu coração para buscar essa sabedoria e ser uma pessoa cheia do Espírito Santo. 
 
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense

quarta-feira, 12 de novembro de 2025

Pensar é aproximar

    O ato de pensar é o primeiro movimento em direção a algo. É quando o espírito se inclina, curioso, para o que não sabe. Pensar é colocar-se na vizinhança de uma ideia, é tentar tocá-la com a mente, ainda que de forma tímida ou parcial. Há uma distância — o pensamento observa, mede, imagina — mas ainda não se mistura. 
 
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense

terça-feira, 11 de novembro de 2025

O agora como semente do amanhã

    Tudo o que seremos amanhã nasce silenciosamente no solo fértil do hoje. Cada pensamento que escolhemos cultivar, cada palavra que decidimos pronunciar, cada atitude que tomamos, constrói, tijolo por tijolo, o alicerce do nosso futuro. 
 
    É fácil olhar para o amanhã como um lugar distante, uma promessa que virá independente do que fazemos agora. Mas a verdade é que o amanhã é apenas a extensão natural do que somos hoje. Se hoje alimentamos a mente com esperança, gratidão e propósito, inevitavelmente atrairemos um amanhã mais leve, mais pleno. 
 
    A felicidade não é uma estação futura onde um dia vamos desembarcar. Ela começa nos pensamentos que abraçamos neste exato instante. É o resultado de pequenas escolhas: olhar com mais gentileza, agradecer pelo que já temos, perdoar o que nos pesa e acreditar no que sonhamos. 
 
    O momento presente é o criador silencioso de todos os nossos destinos. Cada segundo é uma nova oportunidade de plantar o que desejamos colher. E se hoje semearmos paz, otimismo e coragem, o amanhã nos devolverá frutos doces de felicidade. 
 
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense

segunda-feira, 10 de novembro de 2025

Somos histórias I

    Somos feitos de histórias, mas elas não são eternas. Um dia, até as mais intensas se dissolvem como tinta esquecida à mercê da chuva. 
 
    Carregamos narrativas que julgamos sólidas, mas que não passam de fragmentos, ecos que se esfarelam na memória de quem nos recorda. Somos um conjunto de páginas que o tempo rasga sem aviso, um livro que insiste em se apagar enquanto ainda se escreve. 
 
    A vida não nos garante permanência; garante apenas passagem. E nessa travessia, cada gesto é uma palavra lançada ao vento, cada silêncio um parágrafo que talvez nunca seja lido. No fundo, somos a soma de histórias mal contadas, interrompidas, perdidas. O que permanece é tão frágil quanto o sopro de quem nos menciona ao acaso. 
 
    E, quando o último leitor fechar os olhos, talvez descubramos que nunca fomos mais do que um borrão no papel infinito do esquecimento. 
 
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense

domingo, 9 de novembro de 2025

O tempo que Deus redime

    Há quem viva de olhos voltados para trás, tentando reconstruir com lembranças o que o tempo já levou. Mas o passado é como o vento que já passou pela colina: por mais que se escute seu eco, ele não retorna. Remoer o passado é uma forma disfarçada de morrer um pouco a cada dia — morrer sem que o corpo perceba, morrer na alma, onde o tempo se dobra e o arrependimento faz morada. 
 
    A teologia nos recorda: o tempo é dom, não castigo. Não fomos criados para permanecer nas ruínas, mas para sermos restaurados nelas. Deus não é o guardião do ontem, mas o sopro que transforma o agora. Quando o Cristo perdoa, Ele não apenas apaga o erro; Ele devolve o futuro. O “vai e não tornes a pecar” não é condenação, mas libertação — é o anúncio de que o tempo pode recomeçar, mesmo dentro de um coração partido. 
 
    Eis o mistério: o perdão é o único poder capaz de alterar o passado. Não nas circunstâncias, mas no seu peso. O que era ferida se torna cicatriz, e toda cicatriz é memória que já não sangra. A fé é, então, a coragem de entregar ao Eterno o que não podemos refazer, e receber d’Ele a graça de recomeçar. 
 
    Os filósofos chamaram isso de devir. Agostinho viu o tempo como uma chama interior: o passado vive na memória, o presente na atenção e o futuro na esperança. Mas quando a memória domina, o espírito adoece. Nietzsche chamou essa doença de ressentimento — o veneno dos que não aceitam que o mundo segue, mesmo sem o seu consentimento. Ele nos convida ao amor fati, o amor ao destino, a aceitação plena daquilo que foi. Porque quem abraça o passado como parte do próprio ser, abre espaço para o futuro florescer. 
 
    Heidegger diria que o homem é “ser-para-o-amanhã”. Existir é projetar-se, lançar-se, caminhar para o possível. Quem vive preso ao ontem recusa a própria essência — é como uma semente que se nega a romper a casca. 
 
    O que a teologia e a filosofia tocam, por caminhos diferentes, é o mesmo mistério: O tempo é criação de Deus e tarefa do homem. Deus o oferece, o homem o molda. E entre o já e o ainda-não, há o agora — o único lugar onde o eterno acontece. 
 
    Por isso, deixar o passado não é esquecer, mas consagrar. É erguer um altar sobre as ruínas e dizer: “Aqui doeu, mas daqui eu sigo.” O que se entrega à luz do perdão não desaparece — se transforma. E o que se transforma, liberta. 
 
    Porque só há futuro para quem aceita que o tempo de Deus é sempre um verbo no presente. 
 
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense

sábado, 8 de novembro de 2025

Nenhum problema é um labirinto sem saída

    Mesmo nas horas em que tudo parece desabar, há sempre uma fresta — uma linha quase invisível de luz atravessando o escuro. Nenhum problema é um labirinto sem saída; às vezes, é apenas o convite silencioso para olhar com outros olhos, respirar mais fundo e seguir por caminhos que ainda não havíamos percebido. 
 
    A saída nem sempre está fora — muitas vezes nasce dentro: na coragem de continuar, na serenidade de esperar, na sabedoria de pedir ajuda. Cada dificuldade, por mais densa e pesada que pareça, é também uma oportunidade de transformação. 
 
    A vida não nos coloca diante do impossível, mas do que é necessário para que cresçamos. E quando tudo parece sem solução, é justamente aí que o inesperado se move, abrindo a porta que o medo havia escondido. Sempre existe uma saída — às vezes não onde queremos, mas onde precisamos chegar. 
 
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense

quinta-feira, 6 de novembro de 2025

Desacelerar

 
    Nem sempre é fácil desacelerar — e talvez nunca seja. O mundo parece correr em alta velocidade, e há uma pressão silenciosa para acompanhá-lo, como se o valor de viver estivesse em não parar. Mas é justamente na pausa que a vida respira. 
 
    Parar não é desistir, é escutar o próprio ritmo. É nesse intervalo que o corpo fala, o coração se alinha e a mente encontra clareza. A pausa é o ponto em que o excesso se dissolve e o essencial se revela. 
 
    Desacelerar é um ato de coragem num tempo que glorifica o movimento constante. É escolher presença em vez de pressa. É compreender que há sabedoria no silêncio e força em simplesmente estar. 
 
    Desacelerar é um gesto de resistência ontológica. Em um mundo que se mede por produtividade, a pausa se torna quase um ato subversivo — um retorno ao ser, quando tudo ao redor insiste no fazer. 
 
    O fluxo incessante da vida moderna nos empurra a confundir movimento com sentido. A mente, em sua ânsia de acompanhar o ritmo do mundo, esquece-se de que o tempo interior não obedece às mesmas leis que o tempo do relógio. Heidegger diria que, ao nos perdermos no “falatório” e na agitação cotidiana, esquecemos o que significa existir de fato. 
 
    A pausa, então, não é mera interrupção, mas reencontro. É um espaço de abertura, onde o eu volta a se perceber como presença no mundo — não como peça em um mecanismo. Quando paramos, permitimos que o silêncio nos devolva aquilo que o ruído nos roubou: a consciência de estar vivos. 
 
    Desacelerar é aceitar que há sabedoria no intervalo, que o sentido da vida não se revela no acúmulo, mas na atenção. E que, às vezes, parar é o modo mais autêntico de continuar — não no tempo do mundo, mas no tempo da alma. 
 
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense

quarta-feira, 5 de novembro de 2025

Tempos desencantados

    Vivemos tempos desencantados, em que o brilho das coisas parece ter se apagado sob o peso das máquinas e das palavras vazias. As manhãs nascem, mas já não encantam — são apenas repetições de luz sobre o cansaço. O homem caminha entre ruínas que ele mesmo construiu: ruínas de fé, de sonho, de sentido. 
 
    Tudo parece gasto — até o amor, que antes incendiava, agora se consome em telas frias. Os deuses se recolheram, cansados de não serem ouvidos. O silêncio que ficou não é paz, é ausência. 
 
    Mas há, ainda, um sopro — discreto, insistente — que vive nas frestas. Nos olhos que se recusam a esquecer o espanto. Nos corações que ainda se permitem sonhar, mesmo sabendo que o sonho é ferida. Talvez o encantamento não tenha morrido: apenas se escondeu nas sombras, esperando que alguém o chame pelo nome. 
 
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense

segunda-feira, 3 de novembro de 2025

A importância da Literatura

    A literatura não existe apenas para agradar ou entreter — sua verdadeira força está em inquietar. Ler é confrontar-se com o que não queremos ver, é abrir frestas no conforto das certezas. A literatura nos instiga a pensar, a sentir, a questionar o mundo e a nós mesmos. Cada livro é uma provocação silenciosa que nos chama à consciência: mostra o humano em suas misérias e grandezas, revela o que há de belo e terrível em existir. 
 
    Ela nos obriga a sair da superfície, a mergulhar no que é profundo, contraditório, incômodo. Por isso, a literatura é também um ato de resistência — contra o esquecimento, contra a indiferença, contra a normalização do absurdo. Quando um texto nos desestabiliza, é sinal de que ele cumpriu seu papel: fez o pensamento mover-se. 
 
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense

sábado, 1 de novembro de 2025

Um chamado renovado para servir a Deus

    A vida humana se renova a cada amanhecer. O sol que nasce não apenas ilumina o mundo, mas desperta a alma para um novo ciclo de possibilidades. “As misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos... renovam-se cada manhã” (Lamentações 3:22-23). Nesse verso está o coração da fé: cada dia é um recomeço, e cada recomeço traz novas razões para servir a Deus. 
 
    Servir a Deus não é um ato isolado, mas um modo de existir. O filósofo Søren Kierkegaard, ao refletir sobre a fé, dizia que o homem se realiza plenamente apenas quando se coloca diante de Deus em “relação absoluta”. O serviço a Deus, portanto, é mais do que obediência; é um movimento de amor e entrega que dá sentido à própria existência. 
 
    A cada dia, o ser humano se confronta com o tempo, com suas fragilidades e limitações. A filosofia de Agostinho de Hipona nos recorda que o tempo é um mistério: o passado já não existe, o futuro ainda não chegou, e o presente é o único instante em que podemos nos encontrar com Deus. É nesse “agora” que o serviço se concretiza. Servir a Deus hoje é reconhecer que o tempo é dom, e que cada respiração é uma oportunidade de gratidão. 
 
    A Bíblia reforça esse chamado cotidiano: “Este é o dia que fez o Senhor; regozijemo-nos e alegremo-nos nele” (Salmo 118:24). 
 
    Esse versículo é uma celebração do instante — a consciência de que o hoje é um presente divino. O filósofo Martin Buber, em Eu e Tu, diria que o verdadeiro encontro com o divino não acontece em uma abstração, mas na relação viva do momento presente — quando o homem se abre à presença de Deus em tudo o que é. 
 
    Quando despertamos e olhamos o mundo — a luz, o ar, as pessoas, as provações e até as dores — descobrimos novas razões para servir. A alegria de viver e o peso das dificuldades são ambos caminhos de aprendizado espiritual. Cada alegria revela a bondade de Deus, e cada desafio revela nossa necessidade d’Ele. 
 
    O próprio Cristo nos ensina sobre essa renovação diária: “Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome cada dia a sua cruz, e siga-me.” (Lucas 9:23). 
 
    Servir a Deus é um ato diário de renovação interior — um exercício de fé, esperança e amor. Cada dia traz uma nova cruz, mas também uma nova graça. A filosofia existencialista cristã e a teologia convergem aqui: o sentido da vida não está em possuir, mas em servir, em tornar o mundo um reflexo maior do bem que nos habita. 
 
    Cada amanhecer é uma epifania silenciosa — um convite para redescobrir Deus nas pequenas coisas. Quando compreendemos que viver é servir, e que servir é amar, percebemos que não há dia comum: todos são sagrados. Assim, o tempo deixa de ser mera passagem e se torna comunhão. E cada nova manhã, com sua luz e seus mistérios, se torna mais uma razão para dizer: “Eis-me aqui, Senhor, para fazer a tua vontade.” (Salmo 40:8) 
 
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense