Há um instante, breve como o toque de um pássaro na água, em que o passado deixa de exigir explicações e o futuro cessa de cobrar promessas. É nesse instante que respiro — e descubro que nenhum dos dois tem poder real sobre mim. O passado é um viajante cansado que às vezes bate à porta pedindo para entrar; sua voz é antiga, repetitiva, cheia de histórias que já ouvi centenas de vezes. Eu o reconheço, não o expulso, mas também não lhe dou mais a casa inteira. Ele se senta um pouco, conta suas memórias lascadas, e então o deixo partir de novo, sem carregar minhas malas.
O futuro, por sua vez, é um animal arisco. Assusta-se fácil, corre quando tento segui-lo de perto, e às vezes rosna quando tento controlá-lo. Mas descobri que ele se aproxima quando estou quieto, quando não o persigo, quando aceito que não posso prever seus passos. Ele não exige coragem — exige presença.
E entre esses dois visitantes — o que volta demais e o que nunca chega — existe o agora, essa faixa de luz que surge quando finalmente paro de fugir de mim mesmo. É nele que entendo que o medo do amanhã nasce das cicatrizes mal cuidadas de ontem. Que o mesmo gesto que me feriu, um dia, também pode me ensinar a não repetir a caminhada cega.
O futuro é incerto, sim. Mas a incerteza também é um lar possível. Um espaço onde posso plantar aquilo que nunca recebi, construir o que me negaram, inventar caminhos que não existiam. O passado não precisa ser esquecido; basta deixá-lo repousar, sem permitir que ele governe.
E assim sigo: não apagando o ontem, não temendo o depois — apenas caminhando com a leveza de quem enfim percebeu que a vida, inteira, cabe neste passo que estou dando agora.
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense















