Há quem viva de olhos voltados para trás, tentando reconstruir com lembranças o que o tempo já levou.
Mas o passado é como o vento que já passou pela colina: por mais que se escute seu eco, ele não retorna.
Remoer o passado é uma forma disfarçada de morrer um pouco a cada dia — morrer sem que o corpo perceba, morrer na alma, onde o tempo se dobra e o arrependimento faz morada.
A teologia nos recorda: o tempo é dom, não castigo.
Não fomos criados para permanecer nas ruínas, mas para sermos restaurados nelas.
Deus não é o guardião do ontem, mas o sopro que transforma o agora.
Quando o Cristo perdoa, Ele não apenas apaga o erro; Ele devolve o futuro.
O “vai e não tornes a pecar” não é condenação, mas libertação — é o anúncio de que o tempo pode recomeçar, mesmo dentro de um coração partido.
Eis o mistério: o perdão é o único poder capaz de alterar o passado.
Não nas circunstâncias, mas no seu peso.
O que era ferida se torna cicatriz, e toda cicatriz é memória que já não sangra.
A fé é, então, a coragem de entregar ao Eterno o que não podemos refazer, e receber d’Ele a graça de recomeçar.
Os filósofos chamaram isso de devir.
Agostinho viu o tempo como uma chama interior: o passado vive na memória, o presente na atenção e o futuro na esperança.
Mas quando a memória domina, o espírito adoece.
Nietzsche chamou essa doença de ressentimento — o veneno dos que não aceitam que o mundo segue, mesmo sem o seu consentimento.
Ele nos convida ao amor fati, o amor ao destino, a aceitação plena daquilo que foi.
Porque quem abraça o passado como parte do próprio ser, abre espaço para o futuro florescer.
Heidegger diria que o homem é “ser-para-o-amanhã”.
Existir é projetar-se, lançar-se, caminhar para o possível.
Quem vive preso ao ontem recusa a própria essência — é como uma semente que se nega a romper a casca.
O que a teologia e a filosofia tocam, por caminhos diferentes, é o mesmo mistério:
O tempo é criação de Deus e tarefa do homem.
Deus o oferece, o homem o molda.
E entre o já e o ainda-não, há o agora — o único lugar onde o eterno acontece.
Por isso, deixar o passado não é esquecer, mas consagrar.
É erguer um altar sobre as ruínas e dizer: “Aqui doeu, mas daqui eu sigo.”
O que se entrega à luz do perdão não desaparece — se transforma.
E o que se transforma, liberta.
Porque só há futuro para quem aceita que o tempo de Deus é sempre um verbo no presente.
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense

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