A curiosidade é a inquietação que nos arranca do automatismo da existência. É o movimento originário do pensamento, anterior mesmo ao saber. Filosoficamente, ela se inscreve como o primeiro gesto da consciência desperta: o espanto diante do mundo.
Platão já intuía que o filosofar nasce do thaumázein — o assombro. E é isso que a curiosidade faz: nos desestabiliza. Onde o hábito constrói muros, a curiosidade abre fendas. Ela não tolera o já dado, não se satisfaz com a aparência. Insiste, interroga, desvela.
Cultivar a curiosidade é, portanto, um exercício de despossessão. Significa aceitar que não sabemos — e, mais ainda, desejar não saber por completo. Pois só o que se esconde pode ser procurado, e só o que escapa pode gerar busca. A curiosidade nos educa para o inacabado.
Num tempo em que a aceleração consome o silêncio e a certeza anestesia a dúvida, manter viva a curiosidade é um ato de resistência ontológica. É afirmar que o ser não se reduz ao que é funcionalmente útil ou imediatamente compreensível. O mundo, como o ser, é ambíguo, obscuro, e é dessa obscuridade que nasce a pergunta.
Curiosos são aqueles que não se deixam capturar pela normatividade do pensamento pronto. São os errantes, os que se aventuram pelos desvios do sentido, mesmo quando isso os leva a territórios incertos. Pois saber — no sentido mais profundo — nunca é acumular verdades, mas se expor à alteridade do real.
Assim, cultivar a curiosidade é também cultivar o espanto, o risco, a abertura. É estar disponível ao outro, ao estranho, ao novo. É preservar a chama que nos impede de reduzir o mundo ao já sabido. E, talvez, seja justamente essa chama que nos humaniza.
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense
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