quinta-feira, 17 de março de 2022

As parábolas de Balaão

 

Números 22; 23:7,18; 24:3,15,20-23.

    Seis das dezoito ocorrências da palavra “parábola” no AT estão associados aos pronunciamentos de Balaão. George H. Lang comenta que “as declarações proféticas de Balaão são chamadas parábolas. São assim chamadas porque os projetos e os fatos ligados a Israel são apresentados por meio de comparações, compostas na maioria de elementos não-humanos”. Por estranho que pareça, as parábolas proféticas desse insignificante profeta estão entre as mais inconfundíveis e admiráveis do AT. Todas elas “dão testemunho do chamado de Israel para ser o povo escolhido de Jeová,” diz Fairbairn, “e das bênçãos que estavam reservadas para esse povo, as quais nenhum encantamento, força adversa ou maldição poderia tirar; também dão testemunho da Estrela que despontaria de Jacó e da destruição de todos os que a ela se opusessem”.

    Qual era o passado de Balaão, de Petor, e como veio a conhecer Balaque? Balaão praticava a adivinhação, que compreendia a leviandade e o engano tão comuns nos países idolatras. O fato de ser ganancioso fica claro quando ele declara que “o preço dos encantamentos ” estava nas suas mãos e nas dos seus cúmplices. Balaão “amou o prêmio da injustiça”. Foi esse homem que Balaque procurou para receber informações. Os israelitas, seguindo viagem rumo a Canaã, armaram suas tendas nas regiões férteis da Arábia. Alarmados com o número e com a coragem dos hebreus, que haviam recentemente derrotado o rei Ogue, de Basã, os moabitas temeram tornar-se a próxima presa. Balaque, então, foi até os midianitas, seus vizinhos, e consultou os seus anciãos, mas as informações que recebeu eram de grande destruição.

    Esse caso, em que Deus faz uso de um falso profeta para proferir parábolas divinamente inspiradas — prova inequívoca do seu amor e dos seus desígnios para o seu povo—, mostra que o Senhor, se necessário, lança mão do melhor instrumento que puder encontrar, ainda que esse instrumento contrarie a sua natureza divina. Deus disse a Balaão: “Vai com esses, mas fala somente o que eu te mandar”. Ao encontrar Balaque, Balaão, já orientado por Deus, disse: “Porventura poderei eu agora falar alguma coisa? A palavra que Deus puser na minha boca, essa falarei”. Quando censurado por Balaque, rei de Moabe, por ter abençoado Israel, Balaão respondeu: “Como amaldiçoarei o que Deus não amaldiçoou? E como denunciarei a quem o Senhor não denunciou? […] Porventura não terei cuidado de falar o que o Senhor pôs na minha boca?”.

    Então, compelido a declarar o que teria alegremente omitido, Balaão irrompe num rompante de poesia parabólica e prediz a bênção indiscutível do povo para cuja maldição fora contratado. Suas parábolas são de fácil identificação. Na primeira, o pensamento principal é a separação para Deus, a fim de cumprir os seus desígnios: “Vejo um povo que habitará à parte, e entre as nações não será contado” (Nm 23:9). Essa escolha divina de Israel era a base das reivindicações de Deus sobre o povo e a razão de todos os ritos e instituições singulares que ele decretara para serem observados, pois dissera: “Eu sou o Senhor vosso Deus que vos separei dos povos. Portanto fareis distinção entre os animais limpos e os imundos […] Sereis para mim santos, porque eu, o Senhor, sou santo, e vos separei dos povos para serdes meus” (Lv 20:24-26).

    Há também o cumprimento do antigo propósito, pelo qual Deus “fixou os limites dos povos, segundo o número dos filhos de Israel” (Dt 32:8). Nessa parábola, que trata da separação de Israel, uma ilustração é extraída do solo abaixo dos nossos pés: “Quem pode contar o pó de Jacó…?” (Nm 23:10). Aqui temos uma referência ao imenso número dos descendentes de Abraão, anteriormente comparados à areia e às estrelas (Gn 22:17). Alguns comentaristas vêem no pó e na areia uma referência figurada a Israel —os descendentes terrenos de Abraão—, e nas estrelas, uma referência simbólica à igreja de Deus —os descendentes espirituais de Abraão. Mas, como George H. Lang afirma: “Faço uma advertência contra o tratamento fantasioso das parábolas e dos símbolos, pois por três vezes Moisés usa as estrelas como símbolo do Israel terreno (Dt 1:10; 10:22; 28:62; v. lCr 27:23).

    De uma coisa estamos certos: a mesma escolha separadora e soberana de Deus é o fundamento do chamado cristão nesta dispensação da graça. Fomos “chamados para ser santos”, ou seja, separados. Fomos eleitos em Cristo “antes da fundação do mundo”. Fomos salvos e chamados “com uma santa convocação […] segundo o seu propósito e a graça, que nos foi dada em Cristo Jesus antes dos tempos eternos”. Essas e outras referências características compõem a verdadeira igreja. Separados do mundo, devemos viver nele como forasteiros e peregrinos.

    A parábola seguinte ressalta a justificação do povo separado. Percebesse a progressão dos pronunciamentos e das predições parabólicas de Balaão na frase “Então proferiu Balaão a sua palavra”, que se repete cinco vezes. Ao escolher Israel, Deus não poderia voltar atrás em sua decisão; então encontrou Balaão e pôs na sua boca esta palavra para Balaque: “Deus não é homem para que minta, nem filho do homem para que se arrependa. Porventura tendo ele dito não o fará, ou tendo falado não o realizará? Recebi ordem de abençoar; ele abençoou, e não o posso revogar. Não vi iniquidade em Jacó, nem desventura observei em Israel. O Senhor seu Deus está com ele, e entre eles se ouvem aclamações ao seu rei” (Nm 23:19-21).

    A história do povo escolhido mostra que havia iniquidade, da qual o verdadeiro Jacó estava dolorosamente consciente; e havia tanta perversidade em Israel, que o mundo pagão ao redor ficava surpreso. Mas a maravilha disso tudo é que os olhos de Deus estavam sobre o seu povo pela luz que emanava da graça divina, depois pelo sangue dos sacrifícios ofertados pelo povo a favor de si mesmo e por fim pela morte expiatória do seu muito amado Filho. A natureza novamente contribui para a inspirada e instrutiva parábola de Balaão, pois refere-se a Deus como “forças […] como as do unicórnio”, enquanto Israel é retratado com a força do boi selvagem e a natureza assustadora do leão e da leoa (Nm 23:22,24; 24:8,9). Tendo sido justificados gratuitamente pela graça divina, justificados pelo sangue de Jesus, justificados pela fé e, portanto justificados de todas as coisas, nós, os cristãos, não temos força em nós mesmos. Nossa força está na graça de Jesus Cristo, nosso Senhor (2 Tm 2:1).

    Na terceira parábola, Balaão declara que produzir frutos para Deus é o resultado inevitável de sermos separados para ele e justificados perante ele. Quão bela e expressiva é essa explicação inspirada sobre o povo escolhido de Deus! “Que boas são tuas tendas, ó Jacó! E as tuas moradas, ó Israel! Como vales que se estendem, como jardins ao lado de um rio, como árvores de sândalo que o Senhor plantou, como os cedros junto às águas!” (Nm 24:3-14). A linguagem figurada que Balaão empregou forma um estudo à parte. O soberano do céu é comparado a uma estrela (cf. Nm 24:17 com Ap 2:28; 22:16). O cetro, símbolo comum da realeza, refere-se à poderosa soberania do Messias de Israel. O ninho posto na penha fala da segurança dos quenitas (Nm 24:21). Os navios que vinham da costa de Quitim eram uma alusão profética às vitórias de Alexandre, o Grande (Nm 24:24).

    Embora decepcionado, Deus ainda assim tinha todo o direito de contar com os frutos do seu povo no deserto. Não os tinha escolhido, redimido e abençoado, fazendo deles seu tesouro particular? Quanto mais não espera de nós, que fomos comprados com o precioso sangue de seu querido Filho? Será que não o glorificaremos quando damos muitos frutos? (Jo 15:8). Não somos exortados a estar cheios do fruto da justiça? (Fp 1:11). Não tem um valor extremamente prático o fato de sermos separados para ele e justificados pela graça diante dele? A nossa posição privilegiada não deveria resultar em sermos frutíferos em toda boa obra? (Cl 1:10).

    Não é pertinente que a parábola seguinte se volte para a segunda vinda de Cristo? A coroa de vitória é o adorno para a fronte daquele que chamou, separou, justificou e abençoou o seu povo. “Vê-lo-ei, mas não agora; contemplá-lo-ei, mas não de perto. Uma estrela procederá de Jacó, e de Israel subirá um cetro”(Nm 24:17). Segundo certo comentarista: “A estrela refere-se à sua primeira vinda; o cetro, à sua segunda vinda; e, como o falso profeta não o via como salvador, profere a própria condenação”. Trata-se do dia do juízo para os iníquos, pois “Um dominador sairá de Jacó, e destruirá os sobreviventes da cidade”. A destruição será arrasadora e terrível, como diz Balaão: “Ai, quem viverá, quando Deus fizer isto?” (Nm 24:23).

Fonte Consultada: Todas as parábolas da Bíblia – Uma análise detalhada de todas as parábolas das Escrituras. Herbert Lockyer – Editora Vida

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