terça-feira, 30 de maio de 2017

A Demonização da Mulher: Uma análise sobre a obra “O Martelo das Bruxas”


Neste texto procuro analisar uma questão que chamou muito a minha atenção. A mulher enquanto bruxa. Sempre fui fascinado pelo tema e me perguntava porque, ao longo do tempo, as mulheres sempre foram vítimas de preconceito e acusadas de desvios que acabavam as levando para a fogueira. Na Idade Média a fogueira era literal mesmo e milhares de mulheres foram queimadas ao longo dos séculos que é possível ver ainda as fumaças que se levantaram naquela época, mas nos dias atuais ainda vemos as mulheres sendo lançadas nas fogueiras do preconceito e violência. Neste sentido, este texto tenta expor algumas concepções de como tudo isso foi construído e por que, ainda em muitos casos, persiste em continuar.

A demonização da mulher é uma construção ideológica de pessoas que sempre colocaram a culpa do mal sobre os ombros femininos. Tanto o mito de Pandora como as distorções da narração bíblica de Gênesis vai ponderar a mulher como a causadora do pecado. No entanto, o que podemos inferir da narrativa bíblica é que há um enorme equivoco causado por seus interpretes ao longo dos séculos. Os homens que mais condenam as mulheres (desde os antigos filósofos) são aqueles que fizeram construções ideológicas do mal contido no corpo e alma feminina.

Os bispos dominicanos Heinrich Kraemer (também conhecido por Heinrich Institoris) e James Sprenger em cumprimento à bula papal Summis Desiderantis Affectibus, promulgada pelo Papa Inocêncio VIII que os autorizava criar um manual de combate aos praticantes de heresias - e que veio a se tornar o guia dos inquisidores pelo restante do século XV e seguintes. Os dois acima citado, com maior ênfase no primeiro, publicaram o livro O Martelo das Bruxas (1486-87) que estabelecia regras para identificação e execução das mulheres que praticavam a bruxaria. A partir desta obra a Igreja Católica torturou, matou e perseguiu as mulheres durante longos séculos na Europa com maior intensidade e nas Américas.

O livro é dividido em três partes; na primeira, relata as propriedades do demônio e sua ligação com a bruxaria; a segunda trata de como lidar com os malefícios durante o dia a dia; finalmente, a terceira parte faz a descrição de como proceder aos julgamentos e como cumprir as sentenças. A maior inovação da obra do inquisidor Institoris (Kraemer) foi justamente atribuir exclusivamente à mulher a condição de "bruxa". Segundo ele, não existem bruxos, só bruxas.

A mulher sempre foi, ao longo da história humana, atacada de todas as formas como sendo causadora de todo o mal, ou pelo menos, de o provocar. A ideia de sexo frágil e receptáculo do demônio foi permeado pelas ideias de provocar o pecado no mundo. Mas, com essa obra “abençoada” pelo Papa, a demonização da mulher atingiu estágios dantes inimagináveis e provocou milhares de mortes de mulheres acusadas de bruxaria.

Logicamente que é necessário ter estômago para digerir as palavras infelizes de Institoris como podemos inferir da passagem a seguir:

"Há três coisas insaciáveis, quatro mesmo que nunca dizem: Basta! A quarta é a boca do útero. Pelo que, para saciarem a sua lascívia, copulam até mesmo com demônios. Poderíamos adiantar ainda outras razões, mas já nos parece suficientemente claro que não admira ser maior o número de mulheres contaminadas pela heresia da bruxaria. E por esse motivo convém referir-se a tal heresia culposa como a heresia das bruxas e não a dos magos, dado ser maior o contingente de mulheres que se entregam a essa prática. E abençoado seja o Altíssimo, Que até agora tem preservado o sexo masculino de crime tão hediondo: como Ele veio ao mundo e sofreu por nós, deu-nos, a nós homens, esse privilégio". 

No entanto, vale dizer que, não raramente, vemos e ouvimos tais discursos em nossa sociedade contemporânea. Mesmo com as grandes revoluções que moldaram o pensamento Ocidental ainda é possível ouvir vozes como as de Institoris ecoando em nosso meio. As mulheres, ainda hoje, são jogadas nas fogueiras das vaidades, dos discursos e da violência. A maioria dos discursos de desvio de condutas no meio da sociedade têm relação com hábitos femininos. Fato é que até pouco tempo, e, em algumas regiões do Brasil, ainda há uma espécie de demonização da mulher que assassina o marido por causa de agressão física e/ou violência doméstica. Isso é provocado em sua maior parte por, ainda, fazermos parte de uma sociedade patriarcal e machista.

Sendo assim, precisamos nos conscientizarmos de que é necessário termos uma postura diferente diante de construções ideológicas deste tipo. Considero o livro O Martelo das Bruxas pior do que Minha Luta de Hitler e isso pelo fato de ser corroborado por uma autoridade eclesiástica que, no imaginário do povo, é um representante de Deus na terra. A mulher é e sempre será, aos olhos do Criador, a imagem e semelhança de Deus assim como os homens. Em Deus não há essa distinção que a sociedade ainda insiste em manter diferenciando os homens das mulheres. Que possamos construir uma sociedade mais justa e humanitária.

Texto: Odair José, Escritor Cacerense

4 comentários:

  1. Boa noite, Odair, maravilhoso texto esclarecedor e cheio de verdade.Abraço,

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  2. Parabéns, Odair! Sempre me chamou muito a atenção a demonização da mulher pelas religiões e mitos da cultura ocidental! Neste mesmo percurso, sugiro aqui a leitura dos livros "O cálice e a espada", de Riane Eisler, e "Feminino e masculino", de Rose Mari Muraro e Leonardo Boff! Muito bom!

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  3. Filmes interessantes que tratam dessa demonização do feminino que gosto muito são: "Alexandria" ou por nome de "Ágora" que trata da filósofa Hihatia e o filme sobre uma cortesã, me parece que no contexto da Idade Média, chamado "Em luta pelo amor".

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