sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

Saiba que tens defeitos

    Conheça bem os seus defeitos. Essa é, talvez, uma das formas mais sinceras de começar a caminhar em direção a si mesmo. Não para se diminuir, nem para carregar a alma com pesos desnecessários, mas para enxergar, com lucidez, aquilo que ainda nos falta — e aquilo que, justamente por faltar, nos impulsiona. 
 
    Ninguém é completo. Essa verdade, longe de ser uma sentença de limitação, é o que nos mantém vivos por dentro. Somos feitos de buracos, lacunas, pequenas rachaduras que deixam passar tanto a luz quanto a sombra. E é nesse jogo de presenças e ausências que o humano respira. O que nos falta não é um defeito em si; é o espaço onde o aperfeiçoamento pode pousar. 
 
    Mas conhecer os próprios defeitos exige coragem. É mais fácil fugir deles, construir máscaras, inventar desculpas, culpar o tempo, a vida ou o outro. Difícil é olhar para si com a honestidade de quem sabe que o caminho da mudança começa sempre pelo reconhecimento da própria incompletude. Defeitos não são sentenças eternas; são pontes. Servem para nos mostrar por onde seguir, onde ajustar o passo, onde respirar mais fundo antes de avançar. 
 
    E ainda assim, nunca saia do caminho do aperfeiçoamento. Não porque exista uma versão perfeita esperando por nós no futuro — não existe. Mas porque o ato de melhorar é, por si só, uma forma de amor próprio. É um compromisso silencioso de não abandonar aquilo que podemos ser. Melhorar não significa se tornar impecável; significa se tornar mais inteiro. 
 
    No fim, aperfeiçoar-se é um movimento contínuo. Um ir e voltar, cair e levantar, perceber e corrigir. É aceitar que sempre vai faltar alguma coisa — e, paradoxalmente, é justamente isso que nos faz seguir adiante. A incompletude não é uma falha da vida; é o convite permanente para nos tornarmos algo mais próximo daquilo que desejamos ser. 
 
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense

quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

A dificuldade de dominar os próprios desejos

    A dificuldade de dominar os próprios desejos talvez seja uma das provas mais íntimas da condição humana. Desejar é um movimento natural, quase instintivo; é o impulso que nos projeta para fora de nós mesmos, que nos faz buscar, querer, imaginar, sonhar. Mas, justamente por nascer tão profundamente dentro de nós, o desejo também carrega uma força que nem sempre conseguimos medir. 
 
    Há uma fronteira delicada entre ter um desejo e ser tomado por ele. Quando o desejo nos atravessa, ele acende em nós uma espécie de vertigem: uma mistura de expectativa, falta e urgência. E é aí que surge o desafio — porque o desejo não obedece facilmente à razão. Ele não se submete ao relógio, às circunstâncias, ao que seria prudente. Ele tem sua própria linguagem, seu próprio tempo, e exige ser reconhecido. 
 
    Dominar o desejo, no entanto, não significa silenciá-lo. Reprimir o que sentimos costuma gerar sombras ainda mais profundas. O verdadeiro domínio é compreender: olhar de frente o que queremos, interrogar suas raízes, suas consequências, suas máscaras. É perguntar a si mesmo: de onde vem essa vontade? O que ela revela sobre mim? O que ela pede que eu enfrente? Essa honestidade exige coragem — porque, às vezes, o desejo expõe nossas vulnerabilidades mais escondidas, nossa carência de afeto, de reconhecimento, de liberdade, de sentido. 
 
    Há também o risco do excesso. Quando deixamos que o desejo se torne tirano, perdemos a capacidade de escolher. Passamos a reagir, não a decidir. Confundimos intensidade com verdade, urgência com necessidade. O desejo, então, deixa de ser uma chama e se torna incêndio. 
 
    Por isso, a dificuldade de dominá-lo não é uma fraqueza, mas um processo de aprendizado contínuo. Dominar o desejo é aprender a conviver com ele — compreendê-lo sem ser arrastado, acolhê-lo sem ser ferido, permiti-lo sem permitir que ele nos devore. É transformar essa força interior em caminho, não em abismo. 
 
    No fundo, nossa vida é feita dessa dança: a razão que nos orienta, o desejo que nos move. E talvez maturidade seja justamente encontrar um ritmo possível entre ambos — onde o desejo não é negado, mas também não reina sozinho. Onde o querer se torna escolha, e não destino. Onde, ao invés de sermos escravos do que sentimos, nos tornamos artesãos de nós mesmos. 
 
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense

quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

A beleza transitória

    A beleza transitória da matéria passa depressa. Ela cintila, seduz, ocupa o olhar por um instante — e então se esvai. Como as flores que desabrocham ao amanhecer e, antes do pôr do sol, já iniciam seu retorno silencioso à terra, a beleza externa é um acontecimento breve, quase um sussurro no tempo. Ela existe para ser contemplada, não para ser possuída. 
 
    A matéria, quando bela, ensina sobre o instante. Seu perfume, sua forma e seu brilho são convites para a presença, jamais garantias de permanência. Quem se apega apenas ao que é visível acaba preso à frustração inevitável do desaparecimento. O tempo, paciente e imparcial, dissolve tudo o que foi moldado apenas para agradar aos sentidos. 
 
    Por isso, convém aprender a sondar a beleza interna das pessoas com quem convivemos. Essa beleza não se revela de imediato. Ela não se impõe ao olhar, nem busca aplauso. Mora nos gestos repetidos, na ética silenciosa, na capacidade de sustentar o outro quando não há recompensa visível. É uma beleza que não precisa ser notada para existir. 
 
    As pedras, embora ásperas e muitas vezes ignoradas, atravessam séculos realizando suas tarefas: sustentam pontes, marcam caminhos, erguem cidades, guardam memórias. Não encantam pelo perfume, mas pela fidelidade ao seu propósito. Permanecem. Resistentes ao tempo, tornam-se testemunhas do que passa. 
 
    Assim também são certas pessoas. Podem não brilhar aos olhos apressados, mas sustentam lares, histórias e afetos com a mesma firmeza das rochas antigas. Sua beleza está na constância, na responsabilidade assumida, na coragem de permanecer quando tudo convida à fuga. 
 
    Talvez a maturidade do olhar esteja em reconhecer que a flor ensina sobre a delicadeza do agora, enquanto a pedra ensina sobre o valor da permanência. Uma não anula a outra, mas a vida exige discernimento para não confundir encanto com essência. No fim, é a beleza que resiste — mesmo sem perfume — que sustenta o mundo. 
 
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense

terça-feira, 9 de dezembro de 2025

Quando se perde a direção

    A perda de direção não é apenas um fenômeno prático — ela é, sobretudo, um sintoma ontológico. Quando o ser humano já não sabe para onde caminha, não se trata apenas de ausência de metas, mas de um enfraquecimento do eixo interior que orienta escolhas, valores e sentido. A direção nasce de uma relação profunda entre a razão e aquilo que a sustenta: memória, tradição, responsabilidade e vínculo. Quando esses elementos se dissolvem, a alma racional perde seu papel de timoneira e passa a vagar ao sabor de impulsos fragmentados. 
 
    A superficialidade surge, então, como defesa e consequência. Incapaz de sustentar o peso da reflexão profunda, o indivíduo passa a deslizar pela superfície das experiências. Tudo é vivido de forma breve, substituível e acelerada. Não há tempo para elaborar perdas, nem silêncio para compreender desejos. A razão, que deveria mediar o mundo interior e o exterior, passa a servir apenas à utilidade imediata, ao cálculo rápido, ao consumo de sensações. O pensamento deixa de perguntar “por quê?” e se contenta com o “para quê agora?”. 
 
    Nesse processo, a vida enraizada — aquela que se ancora em lugar, em história, em relações duradouras — é lentamente abandonada. Enraizar-se exige permanência, compromisso e, sobretudo, aceitação dos limites. A vida sem raízes promete liberdade absoluta, mas entrega dispersão. Sem raízes, o sujeito não se nutre; apenas se move. E o movimento constante, longe de ser vitalidade, revela uma fuga: fugir do confronto com a própria interioridade. 
 
    O desequilíbrio da alma racional manifesta-se, assim, como desarmonia entre pensamento, desejo e ação. A razão já não ordena, apenas justifica. Ela se torna cúmplice da superficialidade, criando narrativas rápidas para escolhas vazias. O resultado é uma existência ruidosa e, paradoxalmente, vazia — cheia de estímulos, mas pobre de sentido. 
 
    Recuperar a direção implica um retorno às profundezas: reaprender a demorar-se, a ouvir, a sustentar perguntas sem respostas imediatas. Significa reatar o vínculo com aquilo que é durável, mesmo quando exige esforço. A alma racional só encontra equilíbrio quando volta a exercer sua função mais alta: não dominar o mundo, mas dar-lhe sentido. E isso só é possível quando a vida, novamente, cria raízes. 
 
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense

segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

A ação do tempo é infalível

    O tempo age sem alarde. Não anuncia seus movimentos nem pede licença para passar; simplesmente passa. Em sua marcha silenciosa, vai desfazendo os nós que a dor insiste em apertar, não por negação do sofrimento, mas por transformação. Aquilo que hoje fere, amanhã se torna cicatriz — e a cicatriz não dói, apenas lembra que houve um ferimento e que ele foi atravessado. 
 
    Há uma sabedoria discreta na ação do tempo. Ele não nos empurra com violência em direção ao que precisamos ser; antes, nos conduz com a paciência de quem conhece o ritmo exato das coisas. Assim como a brisa leve não elimina o sol do verão, mas torna seu ardor suportável, o tempo não apaga as perdas nem corrige de imediato os erros do passado. Ele nos ensina a habitá-los de outra forma, a respirar mesmo sob o calor das lembranças. 
 
    A tristeza, quando chega, costuma nos convencer de que o momento presente é definitivo, de que o estado da alma será eterno. Mas o tempo desmente essa ilusão. Ele nos lembra que tudo o que é humano é transitório: a dor, o medo, a angústia, o desamparo. Permanecer não é o mesmo que durar para sempre. Mesmo os sentimentos mais densos se dissolvem, pouco a pouco, quando atravessados pela continuidade dos dias. 
 
    Não se deixar abater pela tristeza não significa rejeitá-la ou fingir força. Significa confiar que ela não é o fim do caminho, apenas uma de suas curvas. O tempo, com sua fidelidade silenciosa, segue trabalhando enquanto vivemos, enquanto sofremos, enquanto esperamos. E quando menos esperamos, percebemos que algo se suavizou: o peso diminuiu, o fôlego voltou, a vida encontrou uma nova forma de seguir. 
 
    Confiar no tempo é, no fundo, um ato de esperança serena. É aceitar que há processos que não dependem da pressa, mas da permanência. E que, mesmo quando tudo parece ardente demais, há sempre uma brisa em movimento — invisível, constante, infalível — nos conduzindo adiante. 
 
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense

domingo, 7 de dezembro de 2025

A voz que só o silêncio revela

    Se acreditamos que Deus nos guia sempre, não podemos buscar Sua presença apenas nos momentos de urgência, dor ou desespero. A verdadeira escuta nasce antes, no intervalo entre um pensamento e outro, naquele espaço íntimo onde o mundo se aquieta e a alma se abre. É no silêncio que a voz divina encontra passagem — não porque Deus fale baixo, mas porque nós falamos alto demais. 
 
    Meditar silenciosamente é, portanto, um gesto de retorno. É o reconhecimento de que há um eixo sagrado que sustenta nossas incertezas, um sopro que nos conduz mesmo quando não percebemos. Quando nos recolhemos, permitimos que a superfície turbulenta dos medos se acalme, e então a direção divina, sempre presente, torna-se perceptível como uma luz que brota por dentro. 
 
    Jamais abandoná-Lo não significa viver sem falhas, mas permanecer em constante intenção de presença. A fidelidade a Deus se revela nos pequenos movimentos: na escuta atenta, na decisão ponderada, no ato de agradecer mesmo sem compreender. Quem confia em Deus não corre atrás de respostas imediatas; aprende a acolher, a discernir, a caminhar com o coração atento. 
 
    No silêncio, descobrimos que Deus nunca se ausentou. Nós é que precisamos, às vezes, diminuir o ruído interno para perceber que Ele continua a nos guiar — com paciência, com suavidade, com amor. Meditar é abrir espaço para esse encontro. E seguir com Ele é a mais profunda forma de liberdade. 
 
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense

sábado, 6 de dezembro de 2025

Sobre a ilusão de que faríamos melhor

    É muito fácil imaginar que, se estivéssemos no lugar de quem ocupa cargos de destaque na política ou na administração pública, agiríamos com mais justiça, mais coragem, mais sensatez. É quase um instinto humano: observar de fora, julgar de longe, apontar o que está errado e preencher mentalmente as lacunas com a certeza confortável de que nós faríamos melhor. 
 
    Mas essa certeza é uma ilusão benevolente — um espelho que nos mostra uma versão idealizada de nós mesmos. 
 
    A verdade é que não sabemos. Não sabemos o peso real das decisões que parecem simples vistas de longe, mas que, de perto, envolvem vidas, interesses conflitantes, pressões invisíveis e consequências que se desdobram como fios de um tecido complicado. Também não conhecemos as engrenagens internas, as limitações, os dilemas éticos, os acordos necessários e as responsabilidades que ninguém vê, mas que recaem como uma pedra sobre quem assina seu nome em documentos que reverberam sobre um país inteiro. 
 
    Dizer “se eu estivesse lá, faria melhor” é um gesto humano, compreensível, mas carregado de presunção. E se, no lugar deles, fizéssemos pior? E se, diante do mesmo cenário, das mesmas pressões, dos mesmos riscos, também nos curvássemos ou errássemos? E se a fragilidade que julgamos neles também morasse silenciosa em nós? 
 
    Julgar é rápido. Compreender é lento. E governar — governar de verdade — é atravessar um terreno que nenhum observador externo consegue medir completamente. 
 
    Isso não significa absolver erros, ignorar abusos ou aceitar injustiças. Significa reconhecer que o exercício do poder é um espaço onde as certezas se desfazem e onde a soberba de quem observa pode ser tão enganosa quanto a falha de quem age. 
 
    Antes de condenar, talvez devêssemos lembrar: o ser humano é sempre mais complexo que o papel que ocupa. E a humildade, mais do que a crítica, é o que nos permite enxergar com clareza a fragilidade compartilhada que nos une — governantes e governados — no mesmo território incerto do ser humano. 
 
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense

sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

A verdadeira liberdade

    A verdadeira liberdade não é filha da calmaria — é filha do caos. Há uma ilusão confortável que nos faz acreditar que somos livres quando tudo está no lugar, quando a rotina se deixa domar e o mundo responde de forma previsível aos nossos gestos. Mas essa liberdade é uma sombra, um reflexo que desaparece ao primeiro vento contrário. O que realmente nos liberta não é a ausência de desafios, e sim a disciplina silenciosa que aprendemos a cultivar dentro de nós quando o chão treme. 
 
    É no imprevisível que revelamos o tamanho da nossa alma. Quando nada é garantido, quando as certezas caem uma a uma como folhas secas, resta apenas aquilo que conseguimos sustentar internamente: o eixo, o coração firme, a lucidez que não se vende ao desespero. A liberdade nasce exatamente nesse ponto — quando descobrimos que não precisamos controlar o mundo para não sermos destruídos por ele. 
 
    Ser livre, nesse sentido, não é fazer o que se quer, mas manter-se inteiro quando tudo ao redor exige ruptura. É escolher o rumo mesmo quando a névoa esconde os caminhos. É dizer “eu permaneço” quando tudo parece convidar ao abandono de si. A disciplina da alma não é uma rigidez; é um enraizamento. É o desenvolvimento de uma força que não precisa de garantias para existir. 
 
    Essa liberdade é uma chama que se acende no instante em que o inesperado nos visita. E, paradoxalmente, só se sustenta porque é íntima. Ela não depende de circunstâncias, nem de aplausos, nem de vitórias. Ela depende de um acordo profundo com a própria consciência: o pacto de não fugir de si mesmo, mesmo quando o mundo ameaça ruir. 
 
    Assim, o imprevisível deixa de ser um inimigo. Torna-se um mestre. E a alma, disciplinada pela experiência do incerto, aprende a caminhar com mais honestidade, com mais profundidade, com mais presença. A verdadeira liberdade, então, não é encontrada; é construída. Tijolo por tijolo, escolha por escolha, silêncio por silêncio. 
 
    E quando finalmente floresce, ela não pede que tudo fique calmo. Apenas exige que sejamos capazes de permanecer. 
 
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense

quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

Eleve o coração em oração

    Há um tipo de oração que nasce da memória e outra que nasce da alma. A primeira segue caminhos já trilhados: palavras repetidas, expressões polidas pelo tempo, frases que herdamos de outros. A segunda, porém, brota como água fresca de um poço íntimo — inesperada, verdadeira, viva. Ela não se preocupa com a beleza da frase, mas com a honestidade do sentimento. 
 
    Quando você conversa com um amigo querido, não pensa no que deve dizer para impressioná-lo. Você simplesmente fala. Fala com erros, pausas, risos, silêncios, e ainda assim tudo é compreendido — porque a amizade reconhece a intenção antes da forma. O mesmo acontece com o sagrado: não há necessidade de discursos perfeitos, apenas de um coração desperto. 
 
    Recitar uma fórmula pode aquecer por um instante, mas é como acender um fósforo: breve, previsível. Já a palavra espontânea é fogo de lenha: crepita, dança, ilumina o que você nem sabia que guardava dentro de si. É nesse terreno indomado que a oração se torna encontro, não ritual; diálogo, não obrigação. 
 
    Quando você se permite falar com Deus como quem fala com alguém profundamente amado, algo muda. A distância se encurta. A formalidade cai. Surge uma sinceridade que talvez estivesse adormecida. Você fala da sua alegria desajeitada, da sua angústia sem nome, do medo que mal sabe explicar. E descobre que isso basta. 
 
    Porque o que sustenta a oração não é a perfeição da frase — é a verdade do coração. E o coração só fala de verdade quando não é vigiado pelas expectativas dos outros. 
 
    Por isso, eleve o coração, não as fórmulas. Deixe que suas palavras saiam como saem as confissões aos amigos: livres, imperfeitas, profundamente humanas. Ali, nesse terreno humilde e espontâneo, mora o que há de mais sagrado. 
 
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense

quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

Seja dono de si mesmo

    A serenidade não é apenas um estado de calma: é uma forma de sabedoria. Quando alguém aconselha “não perca a sua serenidade”, não está pedindo para você ser passivo ou indiferente, mas para que não entregue o seu eixo interior ao acaso das emoções que vêm de fora. 
 
    A raiva, o rancor e a mágoa têm uma força quase sedutora. Eles dão a impressão de movimento, de ação, de resposta. Mas, na verdade, nos consomem por dentro. A raiva acelera o corpo como um fogo mal contido; o rancor permanece como brasas enterradas, aquecendo silenciosamente o fígado, que na cultura simbólica é o órgão da ira acumulada; a mágoa, por sua vez, é um veneno lento, que se infiltra no coração, tornando nossos sentimentos turvos, desconfiados, cansados. 
 
    Manter a serenidade, então, é um ato de autocuidado profundo. É olhar para a avalanche de emoções possíveis e escolher não ser arrastado por elas. Dominar as reações emotivas não significa reprimi-las — significa entendê-las. A emoção que é compreendida se dissolve; a que é reprimida fermenta. 
 
    A serenidade nasce quando você reconhece que nem tudo merece resposta, que nem toda provocação é sobre você e que nem todo conflito precisa ser acolhido. Ela surge quando você aprende a respirar antes de reagir, a observar antes de falar, a sentir sem ser dominado. É a capacidade de dizer a si mesmo: “Eu escolho a paz, não por fraqueza, mas por força.” 
 
    E, no fim, essa serenidade não protege apenas o corpo, mas também o espírito. É ela que mantém a lucidez nos momentos difíceis, que sustenta o coração nas perdas, que permite seguir adiante sem carregar o peso das tempestades alheias. 
 
    Ser sereno é, no fundo, exercer o mais alto grau de liberdade: a liberdade de não se tornar refém das emoções que passam — e deixar que a vida flua com mais leveza, mais saúde e mais verdade. 
 
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense

terça-feira, 2 de dezembro de 2025

O que significa ser grato

    Há uma compreensão equivocada — quase uma crença moderna — de que a gratidão é uma forma de fuga, um otimismo açucarado que tenta borrar as sombras da realidade. Mas isso é justamente o contrário do que ela é. A gratidão verdadeira não nasce para abafar a dor; ela nasce dentro da dor, como um músculo discreto que se fortalece quando tudo parece frágil. 
 
    Ser grato não significa negar o peso que se carrega. As dificuldades continuam sendo dificuldades; as perdas continuam sendo perdas; os medos continuam sendo medos. A gratidão apenas recusa que eles sejam o único horizonte possível. Ela não apaga o que dói — apenas se recusa a deixar que a dor defina todo o cenário. 
 
    Quando olhamos só para o peso, ele domina o campo de visão e parece assumir proporções maiores do que realmente tem. É como caminhar à noite com uma lanterna apontada apenas para o chão: enxergamos as pedras, os buracos, as irregularidades do caminho, e esquecemos que acima de nós existe um céu imenso, e ao redor de nós há paisagens inteiras. A gratidão é esse gesto simples — porém radical — de levantar a lanterna um pouco mais. 
 
    De repente, percebemos que, apesar do peso, ainda estamos de pé. Que apesar das quedas, há mãos que nos levantaram. Que apesar do desgaste, há algo — um propósito, um afeto, um fio de esperança — que continua nos movendo. Gratidão não é luz que elimina as trevas: é luz que revela o que existe além delas. 
 
    Ela amplia o campo de visão ao lembrar que a vida não é feita só dos momentos difíceis, mas também dos sustentáculos invisíveis que nos mantêm — a força que não sabíamos que tínhamos, a coragem que brota quando menos esperamos, a presença silenciosa de quem caminha conosco, mesmo que não resolva nada. Gratidão é o reconhecimento desses pilares escondidos. 
 
    E quando enxergamos o que sustenta, o peso não desaparece — mas muda de proporção. Torna-se carregável. Torna-se parte do caminho, e não o caminho inteiro. 
 
    No fim, a gratidão nos devolve a perspectiva: somos maiores que o que nos fere, e há algo em nós — ou ao nosso redor — que insiste em nos nutrir. É isso que permite continuar. É isso que transforma o fardo em travessia. É isso que, mesmo em meio à escuridão, ilumina um pouco mais o passo seguinte. 
 
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense

segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

Viver enquanto se está vivo

    A vida é um intervalo breve entre dois silêncios. Passamos boa parte dela acreditando que o amanhã sempre estará ali, fiel, paciente, pronto para nos receber. Mas a verdade é que o tempo nunca prometeu estabilidade; ele apenas flui, indiferente aos nossos desejos. A brevidade da vida se revela justamente quando começamos a entender o valor do que já passou. Só então percebemos que cada manhã foi única, cada gesto carregava um sentido invisível, e cada pessoa deixava em nós alguma marca – leve ou profunda. 
 
    A velhice, muitas vezes temida, é na verdade uma espécie de clareira na floresta dos dias. Depois de tanto caminhar, ela nos oferece a chance de olhar para trás e enxergar o caminho percorrido. Não com arrependimento, mas com a serenidade de quem compreende que tudo teve seu tempo, seu peso e sua beleza particular. A realidade da velhice é a constatação de que o corpo se cansa, mas a alma amadurece; que os passos ficam curtos, porém o olhar se expande; que as urgências diminuem, enquanto os significados aumentam. 
 
    E então surgem as lembranças — essas pequenas faíscas que reacendem a luz do vivido. São detalhes cotidianos que, ao serem revisitados, ganham um brilho inesperado. Um café preparado com cuidado, uma risada ouvida no quintal, um cheiro de fruta madura na feira, o som de alguém chamando o nosso nome… Tudo isso retorna como fragmentos de um mosaico que só nós conhecemos. Lembranças são o que resta quando a velocidade da juventude se esvai; são o arquivo secreto onde guardamos o que fomos, o que amamos e até o que perdemos. 
 
    Quando a vida parece curta demais, é pelas lembranças que ela se estende. Elas nos permitem revivê-la não como ela realmente foi, mas como a sentimos. E nisso há verdade. 
 
    No fim, a brevidade não é um castigo, mas um convite: viver enquanto se está vivo. Amar com mais presença. Olhar com mais atenção. Agradecer mais, reclamar menos. A velhice não é um ponto final, mas um capítulo em que aprendemos a ler o mundo com delicadeza, aceitando a fragilidade como parte de existir. 
 
    E assim seguimos — entre o que fomos e o que restamos sendo — colecionando memórias e descobrindo que, mesmo quando o corpo desacelera, o espírito ainda sabe dançar no ritmo silencioso do tempo. 
 
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense

domingo, 30 de novembro de 2025

O passado e o futuro

    Há um instante, breve como o toque de um pássaro na água, em que o passado deixa de exigir explicações e o futuro cessa de cobrar promessas. É nesse instante que respiro — e descubro que nenhum dos dois tem poder real sobre mim. O passado é um viajante cansado que às vezes bate à porta pedindo para entrar; sua voz é antiga, repetitiva, cheia de histórias que já ouvi centenas de vezes. Eu o reconheço, não o expulso, mas também não lhe dou mais a casa inteira. Ele se senta um pouco, conta suas memórias lascadas, e então o deixo partir de novo, sem carregar minhas malas. 
 
    O futuro, por sua vez, é um animal arisco. Assusta-se fácil, corre quando tento segui-lo de perto, e às vezes rosna quando tento controlá-lo. Mas descobri que ele se aproxima quando estou quieto, quando não o persigo, quando aceito que não posso prever seus passos. Ele não exige coragem — exige presença. 
 
    E entre esses dois visitantes — o que volta demais e o que nunca chega — existe o agora, essa faixa de luz que surge quando finalmente paro de fugir de mim mesmo. É nele que entendo que o medo do amanhã nasce das cicatrizes mal cuidadas de ontem. Que o mesmo gesto que me feriu, um dia, também pode me ensinar a não repetir a caminhada cega. 
 
    O futuro é incerto, sim. Mas a incerteza também é um lar possível. Um espaço onde posso plantar aquilo que nunca recebi, construir o que me negaram, inventar caminhos que não existiam. O passado não precisa ser esquecido; basta deixá-lo repousar, sem permitir que ele governe. 
 
    E assim sigo: não apagando o ontem, não temendo o depois — apenas caminhando com a leveza de quem enfim percebeu que a vida, inteira, cabe neste passo que estou dando agora. 
 
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense

sábado, 29 de novembro de 2025

Crescer em vez de reclamar

    Aprender a crescer é aceitar que a vida nem sempre nos entrega respostas embaladas em papel bonito. Às vezes, ela apenas lança perguntas, desafios e silêncios – e cabe a nós descobrir se isso será motivo de queixa ou de amadurecimento. 
 
    Crescer é o gesto silencioso de quem decide olhar para dentro antes de apontar para fora. É perceber que reclamar é fácil, quase confortável, porque nos mantém imóveis, intactos, inocentes diante da própria história. Mas crescer… crescer exige coragem. Exige abrir mão da versão antiga de si mesmo, aquela que repete desculpas, que coleciona mágoas como medalhas, que espera que o mundo mude antes de mudar o próprio passo. 
 
    Há uma poesia discreta no ato de assumir responsabilidades: a de transformar o lamento em ação, o medo em caminho, a dúvida em semente. 
 
    Quando deixamos de reclamar, não é porque tudo ficou perfeito — mas porque entendemos que o imperfeito também é matéria-prima. E que o barro bruto das dificuldades é justamente aquilo que molda nossas mãos para o que virá. 
 
    Crescer é, enfim, uma espécie de arte. Uma escultura contínua feita com o cinzel do tempo, a paciência do coração e a ousadia de se reinventar. 
 
    E cada momento em que escolhemos amadurecer, em vez de lamentar, é como acender uma pequena luz num corredor escuro — não ilumina tudo, mas já nos permite seguir. 
 
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense

quinta-feira, 20 de novembro de 2025

Ajudar não é substituir

    Ajudar alguém não é assumir seu lugar na travessia. É estar perto o suficiente para oferecer um braço quando a noite pesa, mas longe o bastante para que o outro ainda sinta o próprio chão sob os pés. Há caminhos que ninguém pode percorrer por nós — e, mesmo assim, insistimos em carregar dores alheias como se fossem nossas, tentando salvar quem talvez precise apenas aprender a caminhar com a própria queda. 
 
    A verdadeira ajuda é discreta, quase imperceptível. Não toma decisões pelo outro, não segura a mão com força demais, não substitui a coragem que cada um precisa encontrar dentro de si. É uma presença que encoraja sem dominar, que ampara sem apagar, que orienta sem conduzir. Porque a vida de outro não é um território que possamos ocupar; é um labirinto cujo mapa só existe dentro dele. 
 
    Às vezes, ao tentarmos fazer pelo outro, roubamos a chance que ele tinha de descobrir sua própria força. E nenhuma transformação brota sem esse esforço íntimo, doloroso e solitário. Ajudar é, então, acender uma pequena lanterna e oferecer ao viajante — não para guiá-lo, mas para que ele próprio enxergue o próximo passo. 
 
    Cada qual deve caminhar com seus próprios pés. Mas isso não significa caminhar sozinho. Significa que a jornada, sempre pessoal, pode ser acompanhada: lado a lado, sem que um se torne substituto do outro. É nesse equilíbrio — entre presença e liberdade — que o cuidado se torna verdadeiro. 
 
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense

terça-feira, 18 de novembro de 2025

A travessia intransferível

    Existem experiências na vida que são, por natureza, intransferíveis. Por mais que haja afeto, por mais que haja cuidado, há um limite onde o outro não pode mais ir por nós. Cada ser humano carrega dentro de si a responsabilidade de fazer sua própria travessia. 
 
    Caminhar com os próprios pés é mais do que um ato físico: é um exercício existencial. É o enfrentamento solitário diante das encruzilhadas da vida. Nenhum conselho, por mais sábio que seja, substitui a vivência. Nenhuma proteção, por mais bem-intencionada, anula a necessidade do confronto com a realidade. 
 
    É preciso sentir o peso das próprias escolhas, o sabor das próprias vitórias e o amargor das próprias quedas. É nessa luta silenciosa, entre o querer e o temer, entre o sonhar e o realizar, que o indivíduo se torna autor de sua própria história. 
 
    Há uma pedagogia oculta na dor e na dúvida, uma sabedoria que só se revela a quem tem a coragem de continuar, mesmo com os pés feridos. Caminhar sozinho não significa estar isolado, mas reconhecer que certos aprendizados só florescem no terreno da experiência direta. 
 
    A vida não oferece caminhos prontos. Cada um precisa abrir o seu, pedra por pedra, passo por passo, com o risco real de se perder, mas também com a liberdade de se encontrar. 
 
    No fim, é esse processo que nos ensina o mais essencial: viver é um verbo que só se conjuga na primeira pessoa. 
 
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense

segunda-feira, 17 de novembro de 2025

Somos histórias II

    Somos feitos de histórias, mas histórias não duram. São apenas rastros em areia movida, apagados pelo vento do tempo. O que chamamos de memória é só ruína, pedaços quebrados de algo que já não existe. 
 
    A cada dia, perdemos páginas. Primeiro, as mais frágeis. Depois, as que acreditávamos imortais. Não há arquivo, não há lembrança, não há voz capaz de sustentar tudo o que fomos. Somos ruído que se extingue, registro que se desfaz. 
 
    No fim, nada resta senão o silêncio absoluto, onde nem mesmo a ideia de história consegue sobreviver. 
 
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense

sábado, 15 de novembro de 2025

Controlado pelos desejos

    Uma pessoa que se deixa controlar pelos desejos é, de certo modo, uma casa sem portas — qualquer impulso entra, se acomoda e faz morada. Ela acredita estar vivendo em liberdade porque segue cada vontade, cada febre do momento, cada brilho que passa como um peixe rápido na superfície da água. Mas, na verdade, é levada pela correnteza. 
 
    O desejo, quando assume o leme, não conduz: arrasta. 
 
    Ser escravo dos próprios desejos não é sentir, mas perder o rumo. É confundir intensidade com direção, e urgência com verdade. É permitir que algo interno, porém desordenado, dite o passo, o tom, a história — e você, que deveria ser o narrador, vira personagem secundário. 
 
    A liberdade nasce quando o desejo deixa de ser dono e volta a ser visitante. Quando você não é mais arrastado pelo que quer agora, mas guiado pelo que deseja ser depois. Quando os impulsos deixam de te usar, e passam a te servir. 
 
    Quem é dominado pelos desejos é escravo; quem aprende a escutá-los sem se ajoelhar, começa a ser livre. 
 
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense

sexta-feira, 14 de novembro de 2025

Onde está a sabedoria?

    “A rainha do sul se levantará, no juízo, com os homens desta geração e os condenará; porque veio dos confins da terra para ouvir a sabedoria de Salomão. E eis aqui está quem é maior do que Salomão”. Lucas 11.31. 
 
    A história é conhecida. A Bíblia nos informa que a Rainha de Sabá empreendeu uma longa viagem para conhecer o Rei Salomão de quem a fama corria o mundo como sendo o homem mais sábio da terra. Chegando-se a ele a rainha quis obter respostas para algumas perguntas e resolver alguns problemas. Salomão não a desapontou e ela saiu do encontro radiante afirmando que a sabedoria dele era maior do que o que haviam dito a ela. 
 
    Jesus Cristo veio ao mundo para dar salvação e transmitir uma mensagem de sabedoria a humanidade e os homens questionaram a sua mensagem e não deram crédito aos seus sinais e maravilhas. Ele afirma que no juízo, a própria rainha se levantará para julgar essas pessoas. Isso acontecerá porque o Filho de Deus é maior do que Salomão. 
 
    O mundo contemporâneo, ainda mais do que as pessoas do tempo de Jesus, tem a seu dispor a sabedoria de Deus, mas não a reconhece. Quanto mais acontece o avanço da ciência e tecnologia mais os problemas entre a humanidade acontece. Não se valoriza a sabedoria de Deus revelada nas sagradas escrituras e a humanidade caminha a passos largos para a destruição. 
 
    As pessoas do tempo de Jesus até o cercavam, mas a maioria só queria ver milagres e sinais. Não se preocupavam em aprender a verdadeira sabedoria de Deus. O amor ao próximo pregado por Jesus tornava-se um fardo. Abandonar as coisas materiais para buscar a celestial era difícil demais. E as pessoas viravam as costas. 
 
    Nos dias atuais a situação é ainda pior. O capitalismo selvagem e o consumismo não deixam com que as pessoas pensem no próximo. As pessoas querem a solução para os seus problemas urgentemente e não querem obedecer a Palavra de Deus. Há uma falta de sabedoria para alcançar a paz que só Jesus pode oferecer ao homem. 
 
    A Rainha de Sabá teve que passar por muitas dificuldades para alcançar a sabedoria de Salomão. Nos dias atuais já não é tão difícil assim. A Palavra de Deus está registrada e espalhada em todos os lugares e todos tem acesso a ela. Basta dar crédito as mensagens de Jesus Cristo e seus conselhos para uma vida feliz. 
 
    Tens falta de sabedoria? Peça a Deus que a dá para todos quanto o buscam. As palavras de Jesus têm dado direção certa a milhares de pessoas que buscaram a verdadeira sabedoria. Que Deus em Cristo abra os olhos de seu coração para buscar essa sabedoria e ser uma pessoa cheia do Espírito Santo. 
 
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense

quarta-feira, 12 de novembro de 2025

Pensar é aproximar

    O ato de pensar é o primeiro movimento em direção a algo. É quando o espírito se inclina, curioso, para o que não sabe. Pensar é colocar-se na vizinhança de uma ideia, é tentar tocá-la com a mente, ainda que de forma tímida ou parcial. Há uma distância — o pensamento observa, mede, imagina — mas ainda não se mistura. 
 
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense

terça-feira, 11 de novembro de 2025

O agora como semente do amanhã

    Tudo o que seremos amanhã nasce silenciosamente no solo fértil do hoje. Cada pensamento que escolhemos cultivar, cada palavra que decidimos pronunciar, cada atitude que tomamos, constrói, tijolo por tijolo, o alicerce do nosso futuro. 
 
    É fácil olhar para o amanhã como um lugar distante, uma promessa que virá independente do que fazemos agora. Mas a verdade é que o amanhã é apenas a extensão natural do que somos hoje. Se hoje alimentamos a mente com esperança, gratidão e propósito, inevitavelmente atrairemos um amanhã mais leve, mais pleno. 
 
    A felicidade não é uma estação futura onde um dia vamos desembarcar. Ela começa nos pensamentos que abraçamos neste exato instante. É o resultado de pequenas escolhas: olhar com mais gentileza, agradecer pelo que já temos, perdoar o que nos pesa e acreditar no que sonhamos. 
 
    O momento presente é o criador silencioso de todos os nossos destinos. Cada segundo é uma nova oportunidade de plantar o que desejamos colher. E se hoje semearmos paz, otimismo e coragem, o amanhã nos devolverá frutos doces de felicidade. 
 
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense

segunda-feira, 10 de novembro de 2025

Somos histórias I

    Somos feitos de histórias, mas elas não são eternas. Um dia, até as mais intensas se dissolvem como tinta esquecida à mercê da chuva. 
 
    Carregamos narrativas que julgamos sólidas, mas que não passam de fragmentos, ecos que se esfarelam na memória de quem nos recorda. Somos um conjunto de páginas que o tempo rasga sem aviso, um livro que insiste em se apagar enquanto ainda se escreve. 
 
    A vida não nos garante permanência; garante apenas passagem. E nessa travessia, cada gesto é uma palavra lançada ao vento, cada silêncio um parágrafo que talvez nunca seja lido. No fundo, somos a soma de histórias mal contadas, interrompidas, perdidas. O que permanece é tão frágil quanto o sopro de quem nos menciona ao acaso. 
 
    E, quando o último leitor fechar os olhos, talvez descubramos que nunca fomos mais do que um borrão no papel infinito do esquecimento. 
 
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense

domingo, 9 de novembro de 2025

O tempo que Deus redime

    Há quem viva de olhos voltados para trás, tentando reconstruir com lembranças o que o tempo já levou. Mas o passado é como o vento que já passou pela colina: por mais que se escute seu eco, ele não retorna. Remoer o passado é uma forma disfarçada de morrer um pouco a cada dia — morrer sem que o corpo perceba, morrer na alma, onde o tempo se dobra e o arrependimento faz morada. 
 
    A teologia nos recorda: o tempo é dom, não castigo. Não fomos criados para permanecer nas ruínas, mas para sermos restaurados nelas. Deus não é o guardião do ontem, mas o sopro que transforma o agora. Quando o Cristo perdoa, Ele não apenas apaga o erro; Ele devolve o futuro. O “vai e não tornes a pecar” não é condenação, mas libertação — é o anúncio de que o tempo pode recomeçar, mesmo dentro de um coração partido. 
 
    Eis o mistério: o perdão é o único poder capaz de alterar o passado. Não nas circunstâncias, mas no seu peso. O que era ferida se torna cicatriz, e toda cicatriz é memória que já não sangra. A fé é, então, a coragem de entregar ao Eterno o que não podemos refazer, e receber d’Ele a graça de recomeçar. 
 
    Os filósofos chamaram isso de devir. Agostinho viu o tempo como uma chama interior: o passado vive na memória, o presente na atenção e o futuro na esperança. Mas quando a memória domina, o espírito adoece. Nietzsche chamou essa doença de ressentimento — o veneno dos que não aceitam que o mundo segue, mesmo sem o seu consentimento. Ele nos convida ao amor fati, o amor ao destino, a aceitação plena daquilo que foi. Porque quem abraça o passado como parte do próprio ser, abre espaço para o futuro florescer. 
 
    Heidegger diria que o homem é “ser-para-o-amanhã”. Existir é projetar-se, lançar-se, caminhar para o possível. Quem vive preso ao ontem recusa a própria essência — é como uma semente que se nega a romper a casca. 
 
    O que a teologia e a filosofia tocam, por caminhos diferentes, é o mesmo mistério: O tempo é criação de Deus e tarefa do homem. Deus o oferece, o homem o molda. E entre o já e o ainda-não, há o agora — o único lugar onde o eterno acontece. 
 
    Por isso, deixar o passado não é esquecer, mas consagrar. É erguer um altar sobre as ruínas e dizer: “Aqui doeu, mas daqui eu sigo.” O que se entrega à luz do perdão não desaparece — se transforma. E o que se transforma, liberta. 
 
    Porque só há futuro para quem aceita que o tempo de Deus é sempre um verbo no presente. 
 
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense

sábado, 8 de novembro de 2025

Nenhum problema é um labirinto sem saída

    Mesmo nas horas em que tudo parece desabar, há sempre uma fresta — uma linha quase invisível de luz atravessando o escuro. Nenhum problema é um labirinto sem saída; às vezes, é apenas o convite silencioso para olhar com outros olhos, respirar mais fundo e seguir por caminhos que ainda não havíamos percebido. 
 
    A saída nem sempre está fora — muitas vezes nasce dentro: na coragem de continuar, na serenidade de esperar, na sabedoria de pedir ajuda. Cada dificuldade, por mais densa e pesada que pareça, é também uma oportunidade de transformação. 
 
    A vida não nos coloca diante do impossível, mas do que é necessário para que cresçamos. E quando tudo parece sem solução, é justamente aí que o inesperado se move, abrindo a porta que o medo havia escondido. Sempre existe uma saída — às vezes não onde queremos, mas onde precisamos chegar. 
 
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense

quinta-feira, 6 de novembro de 2025

Desacelerar

 
    Nem sempre é fácil desacelerar — e talvez nunca seja. O mundo parece correr em alta velocidade, e há uma pressão silenciosa para acompanhá-lo, como se o valor de viver estivesse em não parar. Mas é justamente na pausa que a vida respira. 
 
    Parar não é desistir, é escutar o próprio ritmo. É nesse intervalo que o corpo fala, o coração se alinha e a mente encontra clareza. A pausa é o ponto em que o excesso se dissolve e o essencial se revela. 
 
    Desacelerar é um ato de coragem num tempo que glorifica o movimento constante. É escolher presença em vez de pressa. É compreender que há sabedoria no silêncio e força em simplesmente estar. 
 
    Desacelerar é um gesto de resistência ontológica. Em um mundo que se mede por produtividade, a pausa se torna quase um ato subversivo — um retorno ao ser, quando tudo ao redor insiste no fazer. 
 
    O fluxo incessante da vida moderna nos empurra a confundir movimento com sentido. A mente, em sua ânsia de acompanhar o ritmo do mundo, esquece-se de que o tempo interior não obedece às mesmas leis que o tempo do relógio. Heidegger diria que, ao nos perdermos no “falatório” e na agitação cotidiana, esquecemos o que significa existir de fato. 
 
    A pausa, então, não é mera interrupção, mas reencontro. É um espaço de abertura, onde o eu volta a se perceber como presença no mundo — não como peça em um mecanismo. Quando paramos, permitimos que o silêncio nos devolva aquilo que o ruído nos roubou: a consciência de estar vivos. 
 
    Desacelerar é aceitar que há sabedoria no intervalo, que o sentido da vida não se revela no acúmulo, mas na atenção. E que, às vezes, parar é o modo mais autêntico de continuar — não no tempo do mundo, mas no tempo da alma. 
 
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense

quarta-feira, 5 de novembro de 2025

Tempos desencantados

    Vivemos tempos desencantados, em que o brilho das coisas parece ter se apagado sob o peso das máquinas e das palavras vazias. As manhãs nascem, mas já não encantam — são apenas repetições de luz sobre o cansaço. O homem caminha entre ruínas que ele mesmo construiu: ruínas de fé, de sonho, de sentido. 
 
    Tudo parece gasto — até o amor, que antes incendiava, agora se consome em telas frias. Os deuses se recolheram, cansados de não serem ouvidos. O silêncio que ficou não é paz, é ausência. 
 
    Mas há, ainda, um sopro — discreto, insistente — que vive nas frestas. Nos olhos que se recusam a esquecer o espanto. Nos corações que ainda se permitem sonhar, mesmo sabendo que o sonho é ferida. Talvez o encantamento não tenha morrido: apenas se escondeu nas sombras, esperando que alguém o chame pelo nome. 
 
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense

segunda-feira, 3 de novembro de 2025

A importância da Literatura

    A literatura não existe apenas para agradar ou entreter — sua verdadeira força está em inquietar. Ler é confrontar-se com o que não queremos ver, é abrir frestas no conforto das certezas. A literatura nos instiga a pensar, a sentir, a questionar o mundo e a nós mesmos. Cada livro é uma provocação silenciosa que nos chama à consciência: mostra o humano em suas misérias e grandezas, revela o que há de belo e terrível em existir. 
 
    Ela nos obriga a sair da superfície, a mergulhar no que é profundo, contraditório, incômodo. Por isso, a literatura é também um ato de resistência — contra o esquecimento, contra a indiferença, contra a normalização do absurdo. Quando um texto nos desestabiliza, é sinal de que ele cumpriu seu papel: fez o pensamento mover-se. 
 
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense

sábado, 1 de novembro de 2025

Um chamado renovado para servir a Deus

    A vida humana se renova a cada amanhecer. O sol que nasce não apenas ilumina o mundo, mas desperta a alma para um novo ciclo de possibilidades. “As misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos... renovam-se cada manhã” (Lamentações 3:22-23). Nesse verso está o coração da fé: cada dia é um recomeço, e cada recomeço traz novas razões para servir a Deus. 
 
    Servir a Deus não é um ato isolado, mas um modo de existir. O filósofo Søren Kierkegaard, ao refletir sobre a fé, dizia que o homem se realiza plenamente apenas quando se coloca diante de Deus em “relação absoluta”. O serviço a Deus, portanto, é mais do que obediência; é um movimento de amor e entrega que dá sentido à própria existência. 
 
    A cada dia, o ser humano se confronta com o tempo, com suas fragilidades e limitações. A filosofia de Agostinho de Hipona nos recorda que o tempo é um mistério: o passado já não existe, o futuro ainda não chegou, e o presente é o único instante em que podemos nos encontrar com Deus. É nesse “agora” que o serviço se concretiza. Servir a Deus hoje é reconhecer que o tempo é dom, e que cada respiração é uma oportunidade de gratidão. 
 
    A Bíblia reforça esse chamado cotidiano: “Este é o dia que fez o Senhor; regozijemo-nos e alegremo-nos nele” (Salmo 118:24). 
 
    Esse versículo é uma celebração do instante — a consciência de que o hoje é um presente divino. O filósofo Martin Buber, em Eu e Tu, diria que o verdadeiro encontro com o divino não acontece em uma abstração, mas na relação viva do momento presente — quando o homem se abre à presença de Deus em tudo o que é. 
 
    Quando despertamos e olhamos o mundo — a luz, o ar, as pessoas, as provações e até as dores — descobrimos novas razões para servir. A alegria de viver e o peso das dificuldades são ambos caminhos de aprendizado espiritual. Cada alegria revela a bondade de Deus, e cada desafio revela nossa necessidade d’Ele. 
 
    O próprio Cristo nos ensina sobre essa renovação diária: “Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome cada dia a sua cruz, e siga-me.” (Lucas 9:23). 
 
    Servir a Deus é um ato diário de renovação interior — um exercício de fé, esperança e amor. Cada dia traz uma nova cruz, mas também uma nova graça. A filosofia existencialista cristã e a teologia convergem aqui: o sentido da vida não está em possuir, mas em servir, em tornar o mundo um reflexo maior do bem que nos habita. 
 
    Cada amanhecer é uma epifania silenciosa — um convite para redescobrir Deus nas pequenas coisas. Quando compreendemos que viver é servir, e que servir é amar, percebemos que não há dia comum: todos são sagrados. Assim, o tempo deixa de ser mera passagem e se torna comunhão. E cada nova manhã, com sua luz e seus mistérios, se torna mais uma razão para dizer: “Eis-me aqui, Senhor, para fazer a tua vontade.” (Salmo 40:8) 
 
Reflexão: Odair José, Poeta Cacerense